O Brasil chegou atrasado à modernização agrícola. Vários motivos explicam esse atraso, entre eles o sistema escravista colonial e a grande propriedade agroexportadora. Quando a modernização chegou, veio truncada e excludente. Modernidade incompleta, apesar da existência de algumas iniciativas nacionais relevantes; boa parte delas relacionadas à pesquisa científica. A dependência tecnológica e a presença dos nossos anacronismos acentuaram a dificuldade de alguns atores sociais no trato com ferramentas sofisticadas, além de seu uso inadequado. Quando disponíveis, não foi fácil criar familiaridade com as máquinas movidas a eletricidade e a diesel. No início do século XXI, o setor avançou significativamente, entrando na era eletrônica e digital. Mas, devido à imensa desigualdade socioeconômica do país, a enxada, a foice, o machado e outras ferramentas anteriores ao século XIX, independentemente de sua serventia, ainda predominam no cenário rural brasileiro, sem falar na permanência de crendices e tradicionalismos.
Uma busca rápida na internet diz que o primeiro trator a gasolina foi construído em 1892, nos EUA. Sucessor das máquinas a vapor do início da Revolução Industrial, o trator era pesado e lento, deficiências superadas pela incorporação de sucessivas inovações e aperfeiçoamentos, até surgirem as máquinas interligadas via satélite de hoje. No Brasil, os primeiros tratores foram fabricados na década de 1960 por empresas estrangeiras; antes, eram importados. Segundo a revista “Mundo Agrícola” (jun. 1965), foram produzidas 37 unidades no primeiro momento, chegando a mais de 20 mil em 1963. Um atraso de, no mínimo, 60 anos.
O primeiro trator que apareceu na fazenda do meu avô foi um Massey Ferguson, o famoso MF 50, carinhosamente apelidado de “cinquentinha”. Teve gente que torceu o nariz, teve quem olhou com melancolia para o velho carro de boi, que levava um dia inteiro pra trazer milho em palha da roça até o paiol, situado no quintal da sede. Minha preocupação era com o destino dos simpáticos bois carreiros.
Embora fosse uma máquina excepcional, para o contexto da época, foi difícil para os camaradas se acostumarem com aquele “trem”. No início, muitos o chamavam de “burrico” ou de “geringonça”; outros desdenhavam dele. Com minha típica ironia de adolescente, eu ficava na expectativa de ver alguém subir no trator com um chicote e ameaçar o “bichão”, caso ele não seguisse na velocidade desejada, ou de chegar ao galpão onde ficavam guardadas as máquinas e me deparar com alguém lhe oferecendo ração e água. O maior receio era um tombo, isto é, o trator virar de cabeça pra baixo, com trágicas consequências, pois muitos “tratoristas” imaginavam montar cavalos xucros, transitando por lugares cheios de buracos de tatu, tocos e cupinzeiros. Às vezes, acho que ainda estamos vivendo a era anterior às máquinas agrícolas, basta observarmos certos comportamentos e acontecimentos no contexto atual. Por que será?
Renato Muniz B. Carvalho