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Você já ouviu falar?

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 15/03/2021 às 22:04Atualizado em 18/12/2022 às 12:51
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Nas noites frias dos anos 1960, na fazenda do meu avô, como não tinha energia elétrica, ficávamos todos sentados na sala, ao redor de um lampião. Às dezoito horas, já estávamos de banho tomado, barriga cheia, ansiosos por ouvir histórias. O sono vinha logo, só meus pais ficavam por último, para jogar baralho, apagar o lampião, alguma vela que tivesse ficado acessa e fechar as janelas.

Hoje, a gente diz: “saudades daquela época!”. Recorda os bons momentos passados juntos, a família grande reunida, a comida caseira, a simplicidade, a despreocupação com o passar do tempo e a ausência da televisão. Também passávamos por momentos tensos, crises, choros escondidos, conflitos latentes. A censura e a desinformação corriam soltas e não era só na política.

Algumas coisas nos assustavam, além do cenário político, é claro! Eram tempos de apreensões, de repressão, de cuidado redobrado ao emitir opiniões. Foi um período de conceitos duros, de verdades inquestionáveis, pelo menos para os mortais, para as famílias tradicionais do interior e para os suscetíveis. Cachorros loucos apareciam sempre em agosto — “o mês do cachorro louco” —, para assombrar a garotada. Não devíamos apontar o dedo para as estrelas, pois nasciam verrugas. Recebíamos a recomendação de nunca abrir um guarda-chuva dentro de casa e tomar muito cuidado para não quebrar espelhos, pois isso era uma desgraça, aliás, nunca deveríamos ousar falar a palavra “desgraça”! Essas e outras crendices corriam soltas nas ruas escuras das cidades do interior, provocavam terror maior ainda nas noites de lua nova.

Nunca me detive para refletir sobre essas situações, suas repercussões e consequências na vida das pessoas. Certamente, serviam para amedrontar, submeter os rebeldes, conter arroubos e ousadias. Muitas crendices estavam ligadas ao domínio da natureza e ao controle dos subalternos, das crianças e das mulheres. É o método da difusão do medo, da exaltação da mentira e da ignorância. Se surgisse algo nov destruir, subjugar, triturar, esta era a recomendação, sabe-se lá de quem.

Uma das coisas que mais apavoravam a meninada naquelas noites eram as “cobras voadoras”. Vez ou outra, elas apareciam voando sala adentro. Não ficava um na cadeira, a gritaria era grande. Meu avô não pensava duas vezes e tratava logo de esmagar o pobre inseto tão temido. Hoje, sabemos seu nome — Jequitiranaboia —, sabemos que não são venenosas, que são insetos típicos dos trópicos. Por ter sua cabeça parecida com uma cobra, isso alimentava o medo. Sua aparência não deixava dúvidas: o inseto não tinha direito à defesa, a qualquer tipo de explicação científica, mas a cobra-de-asa, ou cobra-cigarra, era inofensiva.

Como sair dessa? Como se livrar das crendices e do medo? Existem duas soluções: uma delas é arranjar um amuleto, tipo uma ferradura. A outra é observar a realidade que nos cerca, ler as notícias com atenção, valorizar a Ciência. A escolha é sua!

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