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Alienígena

Ricardo Motta
Publicado em 27/02/2024 às 19:11
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Revoltado pelos desmandos do seu país, resolveu definitivamente que iria se mudar para o exterior, onde não teria que se submeter a tanta violação e ignomínia em todos os sentidos.

Escolheu morar na França, Paris. Cuidou de convencer a esposa. Adquiriu lá um bom apartamento, bem localizado. Com certa arrogância e ar de superioridade, anunciou aos amigos a sua decisão. Mudou-se. Já na chegada, deslumbra-se ao pensar que estava a habitar o Primeiro Mundo.

Curtia passeios culturais. Vinhos extraordinários. Tomava café habitualmente em elegantes bistrôs. Sentia-se seguro. Assim, passaram seis meses nessa rotina. No entanto, buscava sempre notícias do seu país, fosse por curiosidade, pelo interesse de seus negócios ou mesmo por atenção pessoal. Não se desligava. Geralmente, a resenha era a mesma de antes.

Pelas redes sociais, acompanhava os amigos. Churrascos, roda de samba, comemoração de aniversário, boteco, futebol, enfim, muita convivência, como sempre. Em Paris, todavia, nunca deixou de ser um alienígena, submetido a certa desconfiança e preconceito, porém recusava consumar em definitivo essa conclusão.

Eventualmente recebia visita de algum conterrâneo. Alegrava-se, no entanto, tinha que se desdobrar para o hóspede. Tempo passando. Sua mulher regularmente voltava à terra natal, pelos parentes. Cada vez demorava mais a retornar. Contrariado, começou silenciosamente a ter que admitir o enfado da opção. Afinal, absolutamente ninguém fez a menor questão de incluí-lo em convívio.

Mal somente estabeleceu superficial relação amistosa com o porteiro do prédio, também estrangeiro, por cordial bom dia e poucas palavras, e com a moça que sempre lhe servia café no bistrô. Lembrou-se de Vinicius. “Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos.”

Depois de dois anos de solene solidão, rendeu-se. Voltou à bagunça de seu país, mas que era seu. –“Melhor cuidar para melhorá-lo.” Fez uma grandiosa festa. Convidou todos os amigos possíveis, de quem sentiu verdadeiras saudades, muito além do que estimara sentir; também chamou outros conhecidos mais chegados.

Para não ferir seu orgulho, justificou o retorno através de uma falácia. Dificuldade para administrar os negócios à distância. Contudo, sinceramente, pensava consigo. – “Apesar de tudo, eu era feliz e não sabia.”

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