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Amor retido

Ricardo Motta
Publicado em 16/11/2022 às 21:53Atualizado em 15/12/2022 às 23:18
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Chorava ele copiosamente à beira da caixa fúnebre, onde jazia inerte o corpo frágil de uma idosa mulher que guardava na face a imagem da paz. Logo que casara, ela foi definida como de “ventre seco”. Algo depois, recebera em adoção aquele que agora estava aos prantos.

Na sua delicadeza, devotou a ele todo o carinho e dedicação possíveis. Ele tinha ciência de ser adotado, embora o tema fosse de trato velado. Na adolescência, ele começou a rejeitar a mãe adotiva. Intimamente, questionava o motivo que a mãe natural o dera para adoção. Mas soube que isso ocorreu porque sua mãe natural, solteira àquele tempo, quase foi coagida a ceder o filho ao irmão rico cuja mulher não podia dar à luz. “Seria melhor assim, diziam”.

A mãe adotiva o amava de verdade. Ao mesmo tempo, contentava seu instinto materno e aplacava a frustração pelo impedimento biológico. Ele, embora soubesse do seu inteiro amor, guardava para dentro de si sua gratidão, jamais a expressava e mantinha-se formal perante ela. Ela ficou viúva. Já adulto, ele a destinava atenção regular, proteção protocolar. Ela se consolava pensando que seria seu jeito de homem.

Bordava presentes com as iniciais dele, fazia seus doces prediletos. Tinha desvelo pela maternidade. Na véspera, ele fora instado a atender a um chamado dela, sua mãe, embora a tratasse pelo nome. Estava num momento de lazer, motivo que mandou retornar dizendo que iria ter com ela pela manhã seguinte. Ao amanhecer, recebeu novo chamado. Algo irritado, replicou que já iria. Mas, dessa vez, disseram que era para avisar da morte dela, da mãe.

Morreu “de repente”! Sentiu o mundo desabar sobre si. Como assim, sem aviso? Chorava aos berros, um verdadeiro sofrimento por jamais ter dito a ela um “eu te amo”. E a amava tanto! Desde quando se sentira cria ao abrigo do seu calor. Mas reteve a expressão como se castigasse aos dois por uma culpa de nenhum. Foi quando o padre chegou, sabedor de toda a história, e dirigiu-se a ele. – Filho, libere por seu pranto todo seu amor; Maria, Mãe Santíssima, também é mãe de todos, sem elo de sangue, só por adoção, tal qual José é pai de Jesus. Ainda deve haver tempo, pelo menos, para salvar seu sentir. Aprenda. Nunca guarde seu amor, o amor é para se doar, senão perde a razão de ser. Não deixe para depois o amor que sente.

 

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