Tenho suspeitado que, nesse tempo atual, a vida anda sendo a arte de ludibriar a si mesmo. Não é incomum ao se olhar no espelho imaginar que seja o que não é. Esquiva-se de penetrar na importância de cada um de seus traços físicos, de admitir os efeitos da própria história nas rugas forjados pelo tramitar da vida. Andamos tentando nos enganar sem a razão do porquê. A maquiagem vem se instalando em nós como se realidade fosse, não apenas um louvável zelo com o corpo, recanto da alma. Isto ao ponto de promover o equívoco de se crer na ilusão pelo engodo além do sonho. Porém, não se engana ninguém, nem ao próprio ego. Do ego há em verdade fuga, porque se dialogar com este ecoa a verdade que não se quer admitir. Fraqueza humana. Em suas “Noites Brancas”, Dostoiévski imprime: “Dormi e sonhei. Há quem diga que ainda terei muito tempo para dormir depois da morte, mas quem disse que não estou vivendo enquanto sonho?”. Pode ser. Opção pessoal. Só sonhar, e esse estado tornar-se uma controversa realidade. Incoerente, porém. Recorrente notar que, quando há derrotas pessoais, comum as justificativas imputando culpa ao azar, não se admitindo a verdade da própria falha. O intuito subliminar é dar azo à inocente quimera de ser insuperável. Resiste-se fixar o olhar na própria retina, ligação com a alma. No caso seria como sonhar acordado, ilusão racional fugitiva da consciência. “Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento”. Importam as aparências. Posterga-se a oportunidade de verdadeiramente lapidar subjetivamente o próprio ser. Prefere-se prestar contas ao estranho, vendendo fantasias, que ao próprio íntimo, incrustrado em si, queira ou não. Ignora-se o recôncavo do ego, do qual pode até fugir, mas jamais se livrar. Com efeito, nada mais perdido de que mentir para si mesmo, não se trata de sonhar, mas de se iludir. Quantos não se creem tão jovens apenas porque se vestem pela moda atual? Quantos não se creem nobres exclusivamente por possuir dinheiro? E nessa senda vai se alimentando uma falsa crença de ser o que não é, subsistindo o que, a rigor, própria vida não seja, tornando esta um espectro de realidade, que, presa a isso, não evolui. Nem mesmo pode ser chamada de efeito dos sonhos. Instala-se uma convenção de reciprocidade ardilosa de se fingir crer no irreal, em troca da falsa correspondência. É o fugaz social. Por dentro, inconfessável, todos sabem, embuste geral. Uma perda de tempo, a não ser que se faça a opção de viver na crença consciente de degustar exclusivamente dos sonhos, por fim, e nada mais. A ilusão da ilusão. Simples recusa da verdade e da realidade. Triste o desespero dos que se apegaram apenas à juventude e à beleza como sustento estrutural de sua condição subjetiva de ser. Quando se esvai a premissa fugaz apoiada na juventude passageira e na beleza que, com sarcasmo, irremediavelmente se vai maliciosa e lentamente, divertindo-se como o diabo, ciente da dor que a estes causará, eleva-se o desespero por não se ter no ego nada mais para se ofertar como alimento do viver. Afinal, a alma não aceita engodo, nem Botox.