Eram primos, mesma idade. Viviam sempre muito próximos. Eram amigos. Tinham traços e posturas muito semelhantes, como não saber dividir. Porém, neste caso, cada um ao seu ângulo. Um deles, quando ia a um bar, pedia bebida de marca distinta do grupo para pagar separado, sem dividir. Caso fosse a algum encontro comum, levava uma caixa de isopor com sua própria bebida, para não dividir. Pensava que assim era justo, não levava vantagem e não era fintado. Tão rigoroso não era quando a situação dispensava rateio. Já o outro primo também não gostava de dividir, porém a seu modo. Fazia questão de tentar pagar toda a conta na mesa do bar, sem dividir. Em todo encontro cuidava de levar agrados extraordinários, visando satisfazer indistintamente os amigos. Nessa situação, na prática, nenhum deles se tornava, a rigor, mais rico ou mais pobre. Dessa forma, sem dividir, cada qual levava à sua maneira o egoísmo ou a fraternidade. Mesmo assim, conviviam bem socialmente, até que um impasse se deu. Apaixonaram-se pela mesma mulher. Nesse caso, a coisa se complicou. É que esse tipo de amor não se divide. Houve evidente disputa pela conquista da destinatária, que não fatiaria o seu coração. Foi o momento em que os antecedentes emergiram em consequências. Como sabia que o pretendente egoísta nunca dividiria consigo seu amor, que a amaria com o coração intocado, ela optou seguramente pelo outro primo, que, de fato, lhe entregaria por inteiro sua afeição. O primo preterido continuou levando consigo seu coração egoísta no peito magoado, sofrendo as mesmas consequências perante parentes e amigos, afinal seu frio e duro coração ficou todo para si, como que no gelo da sua já conhecida caixa de isopor.
Ricardo Motta