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Oníricos

Ricardo Motta
Publicado em 25/01/2024 às 15:11
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Contemplava com ironia íntima o seu afortunado amigo. Cuidava, no seu vagar, de condenar toda aquela energia do afeto, que produzia sempre e ficava cada vez mais rico. Refletia consigo que materialmente bastava a si o essencial e, no entanto, mesmo assim, sentia-se abastado tanto quanto o próspero amigo. Não entendia sua razão como um auto consolo. No contexto, a consciência que mantinha de si era ser de fato um convicto sonhador. Seguro disto, permitia sentir-se também um verdadeiro bem aventurado, tinha a riqueza que quisesse no seu mundo onírico definido. Por meio da imaginação e da fantasia, podia ser quem desejasse e estar onde aprouvesse quando e enquanto fosse conveniente. Paradoxalmente, na ilusão absorvia-se realmente assim, tinha nada menos que o atarefado amigo que apreciava. Afinal, podia amar quem desejasse e crer na correspondência jamais relegada; podia gozar desde sentir ao modo e o quanto conviesse. Não existiam limites em seu mundo de quimeras, diferente do mundo real do amigo. Podia ser herói, benfeitor ou vilão. Nada era cercado pelo “se eu pudesse”. Nesse plano fez-se rei, príncipe, ou mesmo pobre quando foi conveniente arrefecer a alma como menor. Tal como Manoel, tinha sua Passárgada, intangível, invisível, mas plenamente sensível, o que cria ser o que importava. Retornou o olhar ao amigo executivo, produtivo, edificador, mas confirmava, mesmo assim, que se sentia mais que ele, maior, afinal ele tinha que projetar e produzir para ter e tocar, pegar no limite do seu alcance para então usufruir, enquanto para si tinha o que almejasse sem nada ter que fisicamente produzir. Bastava sonhar e serenamente curtir. Às vezes, na ilusão, transformava o disponível em algo a mais, como água em vinho. Embora a água não o levasse à excitação, sabia que estaria assim pela sua insana condição de consciente sonhador. Delirava o quanto quisesse. Freud, Sartre, Nietzsche, todos reverenciaram ao seu modo os sonhos, dando atenção valorosa à sua existência. Por isso havia algo de real no sonhar, acreditava. Não há propósito sem sonho precedente. Enfim, mergulhado nos contornos do afortunado amigo, a quem não aceitava invejar, devaneou mais uma vez, sem contornos, equiparando-o a si, alcançado pela paz, alegria, pelo prazer, no êxtase de também conseguir, sem esforços, saborear algo meramente imaginável como do seu insano viver. De repente, soou o despertador. Principal inimigo do seu ser sonhador. Abriu os olhos com a costumeira lerdeza, foi ao banheiro, viu seu reflexo no espelho e lamentou. “Acordei de novo!”

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