ARTICULISTAS

Paixão

Ricardo Cavalcante Motta
Publicado em 15/05/2023 às 18:11
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Tantos tangos, tantos boleros, tantas odes. Todos alimentados pelo fogo, pelo sabor, pela dor, pela emoção do impulso da paixão. Às vezes, emerge alegre a euforia da paixão; outrora, sua agonia, o sangue ardente, ou a demência pela perda de uma paixão. Álcool, cigarro, oração. Platão avisara. Mas os seres ousados tornam-se insanos, porque, se vivos, dela provarão. Há paixão no cetim, na esteira, no chão, na torre ou no porão. Paixão que cega e combina com a noite, com as sombras, que inebriam a visão. Paixão da arritmia, sem medidas, que altera o coração. Paixão que é sem razão, sem lógica, sem limites, sem licença, sem instante de instalação. Ainda que fugaz, é ousada, forte, atrevida, invade sem pedir qualquer noção. Importante, nem sempre se torna amor, mas amor de fato não nasce sem prévia paixão. É ela o fermento da pinga, da aguardente de tanta situação, é o gole a mais, é a embriaguez, é a ressaca, depois daquele fervor da insensatez, da empolgação. Pobre vida que não conhece uma paixão, corrói-se no arrependimento de não ter ousado pela emoção. É paixão reversa dos fracos que não se atreveram ao tempo próprio pela perdida ocasião. Como gás que se espalha por todo o espaço ou dimensão, convive também com o ódio, com o insensato perdão, com lágrimas, tremores, e ri do amor puro, honesto, rigoroso, ignora o sofrimento, num cinismo de ser, que brinca com todos que dela não conseguem evoluir para o amor como salvação. Abusada, provoca inveja, traz remorso, admite ou impõe humilhação, mas promove interiormente a mais forte comoção, com sabor de existência, de mel, de carne, de calor, de odores, de tremores, de gozo e vibração. Paixão que fermenta e dá luz à vida, mas que também leva ao caixão. Paixão que se mostra à vista ou que também se faz velada às escondidas no coração. Não é em vão que há tantos olhares perdidos aos cantos, mais em bares, em tons de ressaca apaixonada como do sentir de Capitu. Ao infinito eleva-se o apaixonado, fica perdido do sentido por devaneios de se sofrer pela ironia da fugaz paixão. Paixão do impulso dos artistas, efeito em toda arte. Embora há que se ter cuidado, é certo, enfim, há de se lançar com algo de loucura e coragem e dela um dia se inebriar, porque seguro que de verdade não se viva plenamente sem que dessa taça, pelo menos uma vez, se provar. Da doce e perigosa taça da paixão.

Ricardo Cavalcante Motta

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