Era criança quando foi pela primeira vez a um hospital, em visita. Foi ver a avó que estava internada, depois de ter sido submetida a grave cirurgia ortopédica, numa urgência. Por falta de vagas, teve que ficar num quarto sem acompanhante, com um enfermo desconhecido ao seu ao lado. Este não estava sequer em condições de falar. Fora levada às pressas após um acidente. Estava lá já há três dias. Sentia-se só, mas não queria causar mais preocupação ou tristeza além do que já atingia seus entes queridos. Portanto, sofria sem reclamar. A criança, atenta, observava aquelas conversas de adultos e tudo mais ao entorno, pois é da natureza das crianças, para quem tudo é novidade. A situação era diferente, um ar de preocupação, um estranho moribundo ao lado de sua avó. Com seus vivos olhinhos, tentava captar o máximo, na fase da vida em que tudo é interessante, quando não há sinais de cansaço, tudo é construção e esperança. Então, ao final da visita, que havia de ser breve, a avó, querendo destinar alguma atenção ao neto que tanto amava e a quem destinava muita estima e afeto, voltou-se carinhosamente a ele e disse-lhe: “– precisa ver aqui como é lindo o canto dos pardais ao amanhecer”. Ele ouviu aquilo um tanto surpreso. A conversa seguiu um pouco mais até que partiram. Ele não se esquecia da fala da avó. Afinal, nunca ouvira dizer que pardais cantassem, e sim que eram como praga. Por anos e anos aquilo eventualmente ecoava gravado em sua memória até que, quando já era avô, viu-se internado tal qual sua avó naquela ocasião, e também ficou sem ninguém num quarto de hospital. Sentiu-se muito só. Mas qual não foi sua surpresa. Ao amanhecer, ouviu uma sinfonia de pardais em um barulho estridente e alegre, que até mereceu ser chamado de canto. Entendeu, então, por que a vovó dissera que os pardais cantam. Há ocasiões tão severas que temos que nos contentar com o possível, ao invés de lamentar… no caso, para preencher o vazio da solidão, até a algazarra dos pardais soava como canto.
Ricardo Cavalcante Motta