Às vezes gosto de imaginar que lá numa daquelas enormes avenidas de Brasília, perdidos por entre os eixos viários, existem “órgãos-espelho” que funcionam exatamente ao contrário de seus homônimos originais.
É assim que, penso eu, deva existir, em contraponto à agência oficial, uma outra ANTT. Uma “Agência Nacional dos Truques e Trambiques” ou, em contraponto ao Ministério dos Transportes, um outro MT – Ministério das Trapaças.
Só dessa forma seria possível explicar o que ocorre neste país em relação à BR-262, que é, para quem não sabe, a única rodovia brasileira cujo trajeto podemos rotular de transoceânico, nascendo no Atlântico, rompendo a cordilheira e morrendo no Pacífico.
Acontece que, talvez por ser gerida nos “órgãos-espelho”, essa rodovia federal, que nasceu sob os auspícios de Vargas e, em grande parte de seu trajeto, foi aberta no enxadão por frentes de trabalhadores, é hoje uma vítima de pilantragens.
No que tange à sua concessão, os contratos que a permearam são um caso de polícia. Quando concedida, já havia bons trechos duplicados que foram repassados “de bandeja”, como BH-Nova Serrana.
Onde precisou-se efetivamente de obras, como Uberaba/Campo Florido/365, elas se deram nos chamados “trechos tranquilos”, que exigem mínimo de manutenção e onde a estrada serve apenas para banho de sol de lagartos e calangos. E mesmo assim, duplicação no modo “meia-boca”, pois as áreas ribeirinhas, que exigem pontes, são em pista simples e os retornos ainda funcionam em modo provisório até hoje.
Mas a tristeza mesmo fica é para o trecho Uberaba-Nova Serrana. Uma viagem que o cidadão faz sobre um asfalto picotado por remendos, provocando um sacolejar perene. Um trecho de 343 quilômetros, todo sinuoso, infestado por imensos caminhões de carga, transitando em pista simples, formando comboios que são periódicos. Quando o motorista consegue escapar de um e pensa que vai acelerar, feliz rumo a seu destino, logo cai na rabeira de outro... e lá se vai mais meia hora de impaciência.
O leitor está pasmo? Calma... tem mais! Por mais inacreditável que pareça, todo esse calvário sob forma de rodovia é pontuado do início ao fim por postos de pedágio! Sim, você paga para usufruir dessa maravilha!
A estrada motivou, meses atrás, uma reunião na nossa simpática Araxá, onde estavam as autoridades responsáveis por esse estado de coisas. Havia gente da imprensa reclamando muito, havia deputados mostrando indignação e até alguns motoristas que estavam ávidos por notícias boas.
Ao final, o que se viu foi uma das autoridades presentes, vinculada certamente a um desses “órgãos-espelho”, dizer em alto e bom som que a 262 não precisa de duplicação entre Uberaba e Nova Serrana. Que “algumas adequações são suficientes”.
Soube-se mais tarde que o responsável por tal comentário é realmente um expert em viagens entre BH e Uberaba, pois percorre o trajeto constantemente. Mas o faz em jatinho oficial do governo...
Na longa lista de absurdos que temos em nossa pátria, a BR-262 continua firme, ocupando seu espaço entre as primeiras fileiras, ajudando a consolidar nossa imagem e nossa marca registrada de “país dos pilantras”. Me traz à memória aquela frase do Stanislaw Ponte Preta: “Restaure-se a moralidade, ou nos locupletemos todos!”.
Tharsis Bastos
Jornalista