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A Copa da bola-murcha

Desde o surgimento da Fifa e a realização, em 1930

Tharsis Bastos
Publicado em 07/06/2014 às 20:38Atualizado em 19/12/2022 às 07:25
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Desde o surgimento da Fifa e a realização, em 1930, do primeiro banquete mundial do futebol, o Brasil é o único comensal com 100% de presença garantida. Degustou todos! Nesta edição de número 20 da Copa do Mundo, o país, pela segunda vez, irá sediar o banquete.

Além deste voluntarismo admirável no quesito quantidade, o Brasil também apresenta um quadro qualitativo de excelência e hegemonia: nas 19 vezes em que tomou assento à mesa, por entre os fumegantes pratos e o tilintar de talheres, é o único convidado que já ergueu, por cinco vezes, a taça da vitória!

Além de arrebatar seu povo, apaixonando-o pelo esporte, esta invejável estatística levou o país a, entre outras coisas, surrupiar dos ingleses o título (merecido, convenhamos) de “País do Futebol”...

Em suas 5.570 cidades, distribuídas pelos 26 estados federativos, pode-se acusar o país de muitas deficiências, seja na infraestrutura, na falta de escolas ou no precário atendimento à saúde. Menos em um item: os campinhos de futebol!

No democrático retângulo de grama ou de chão-batido, aparelhado com traves ou, à falta destas, tijolos; os garotos brasileiros praticam diária e exaustivamente o verdadeiro MBA de suas vidas. Com bolas coloridas de plástico, ou velhas pelotas de couro ou as lendárias de meia.

As aulas, na imensa maioria das decrépitas escolas públicas brasileiras, perderam no imaginário das crianças aquela conotação de atividade voltada para o aprendizado. São, antes, a oportunidade imperdível de se juntar os times para as memoráveis “peladas” do recreio. Desenhe um círculo no quadro-negro e pergunte a um pequeno aluno brasileiro do que se trata. A resposta é imediata: uma bola de futebol! É genético...

Neste outono de 2014, abrindo suas portas para outros 31 participantes da Copa Fifa, o país do futebol já deveria estar fervilhando. Afinal, estarão aqui, ao vivo e em cores, a bola e seus mágicos condutores; os gigantescos novos estádios, a invasão de turistas... Estranhamente, como uma velha pelota abandonada ao fundo de um campinho, o país está murcho.

Nem mesmo o antigo hábito de colorir o asfalto ou enfeitar os muros com o verde-amarelo da Seleção Nacional se vê nas ruas brasileiras. No rosto da multidão não se percebe, como antes, aquela esfogueada ansiedade que precedia as estreias dos craques no gramado.

De tanto levar boladas nas costas, de seus governos perdulários e ineficazes; de seus políticos demagogos e corruptos, o brasileiro – de forma inédita – está retirando o futebol do primeiríssimo lugar de sua lista de paixões.

No 12 de junho que se aproxima, para o espanto do mundo, o “país do futebol” tomará lugar, como anfitrião, à cabeceira da mesa, com um nó na garganta, sem mais se mostrar deliciado pela oportunidade de erguer um sexto brinde ao mundo da bola.

A explicação é, ao mesmo tempo, simples e sinistra. Os bilhões de reais torrados para construção e reformas de estádios não resultaram nos estádios prometidos, estando todos incompletos e sem chance de chegarem 100% prontos no 12 de junho. A mesma coisa se aplica aos aeroportos. E a mesmíssima coisa às obras de infraestrutura necessárias para melhorar o acesso do público.

Quanto se torrou nesta farra? E, pior ainda, onde essa montanha de dinheiro poderia ter sido utilizada para melhorar a vida dos brasileiros, caso a farra não houvesse sido conduzida para nosso país?

Investimentos de grandeza nacional são coisa séria. Precisam ser feitas com planejamento correto, com execução eficiente e por técnicos idôneos.

Seriedade... correção... idoneidade... Alguém aí acha que essas coisas existem nas administrações brasileiras???

No ano passado, prevendo a catástrofe financeira, o povão se revoltou e foi às ruas para gritar que não avalizava a farra e a gastança. Tudo continuou na mesma. Aliás, a gastança foi até aumentada por aditivos obscenos de última hora.

Hoje, cansado e impotente diante a força dos farristas, o povão fez o mesmo que já fizera antes, como nas delações e rendição humilhante da inconfidência mineira; como na aceitação bovina das espoliações feitas pela família real em sua transferência para a colônia; como na chocha e insípida proclamação da República; como no assalto ao poder pelos militares em 64... Não é da nossa índole... Jamais reagimos. Fizemos a única coisa para a qual estamos treinados desde o descobrimento...

O país murchou.

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