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A fábrica do diabo

Lizete saiu de casa às 6h30. Mais um dia de aula. Mais um pequeno degrau na vida da jovem

Tharsis Bastos
Publicado em 08/10/2014 às 20:15Atualizado em 17/12/2022 às 03:20
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Lizete saiu de casa às 6h30. Mais um dia de aula. Mais um pequeno degrau na vida da jovem de 14 anos, aluna do colégio estadual.

No corpo de adolescente o girar incessante dos hormônios. Na cabeça, o rodopiar de ideias e dúvidas. Aquele misto de amor e revolta por tudo em que pousava os olhos.

Foi na esquina anterior à entrada do colégio que o rapaz de moto a abordou. Tinha um sorriso enigmático, porém atraente. Pediu ajuda sobre um nome de rua, ali próxima, que ela conhecia e indicou.

Na manhã seguinte, lá estava ele de novo, na mesma moto, no mesmo lugar.

- Ué, você está perdido de novo?

Ele disse que não. Que apenas parou ali para esperar por ela. Perguntou o nome, perguntou as músicas que curtia, perguntou se gostava da escola...

Semanas depois, já convencida por tudo que ouvira, Lizete aceitou a primeira trouxinha de maconha oferecida pelo novo amigo. Na cabeça uma interrogação se seria amigo ou namorado...

E dali para a pedrinha de crack foi um pulo... O sempre gentil e prestativo George (este era o nome dele) a esperava pontualmente, para atuar como uma âncora no desgovernado barco que a vida da jovem ia se tornando.

Em casa, já não queria mais saber dos livros. Já não tolerava a mãe, com a mesma e aborrecida conversa de sempre... E o pai, um ser distante outrora, agora não passava de um desconhecido, aos seus olhos.

Herói, amigo, confidente mesmo, só o George!

Até que numa manhã chuvosa de sexta-feira, quando o encontrou, percebeu desesperada que a aguardada, a desesperadamente almejada pedrinha, não estaria disponível!

- Os negócios vão mal... Eu não estou conseguindo vender nada... Se você pelo menos pudesse levar algumas e vender na escola, eu poderia deixar uma de graça...

Em poucas semanas Lizete já era uma campeã de vendas... Extrapolou os muros do velho colégio estadual. Criava pontos de venda junto às faculdades. Andava por toda a cidade em busca de novos clientes.

Sempre em troca do sonhado e aguardado pagamento... um suprimento de pedras que a ajudavam a passar os dias.

Foi presa por duas vezes. Já nem ligava para os olhos de sua mãe, vermelhos de tanto chorar, inundados por olheiras e por desgosto.

Após algum tempo já havia descoberto que outros “Georges” podiam lhe oferecer pedrinhas em troca de seu corpo. Agora possuía rações duplas para o vício. As que ganhava traficando e as que trocava, se prostituindo.

Os furos à bala e o corpo abandonado à beira da estrada contam o final dessa história. Contam a história da Lizete que um dia, ao invés de vender sua “preciosa carga”, foi arrastada pelo vício e decidiu consumi-la inteira, sem ter como fazer, depois, o acerto com o traficante.

Ainda ontem, bem cedinho, no caminho para o colégio estadual, havia um rapaz de moto conversando, sorrindo e contando piadas para o Cláudio. Um jovem estudante de 16 anos...

(*) Jornalista

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