Você certamente já ouviu esta fábula, mas neste início de ano, quando nos empenhamos tanto em projetos esperançosos, nunca é demais relembrar:
Estava exaurido pela labuta no campo. Trabalhava pesado de sol a sol, na capina, na ordenha e no cultivo da terra. Olhava para as mãos, endurecidas pelos calos e pensava desconsolado que era novo demais para tanto sofrimento.
Nas horas em que se recolhia para o descanso noturno, o sono era substituído pelo ofuscar exuberante das luzes da cidade, onde eventualmente ia para as compras da fazenda.
Poucos dias após ter comemorado as vinte primaveras, armou-se de coragem e procurou seu pai. Era hora de falar de seus anseios e o fez de forma efusiva, expondo argumentos, reivindicando uma vida nova que já se julgava merecedor.
Queria, como herdeiro único, que sua parte lhe fosse entregue. “Em dinheiro”.
Iria para a cidade iniciar uma vida que, em sua alma e em seus sonhos, seria o avesso do sofrimento que enfrentava no dia a dia.
O pai, cabisbaixo e surpreso pela impetuosidade do jovem, fez uma série de ponderações. Lembrou que, embora cansativa, ali na roça o rapaz tinha uma vida pacata e justa. Preenchida pelo trabalho duro, porém rendendo frutos que, ao final, ficariam todos para ele.
Argumentos daqui, contra-argumentos de lá e o tom da conversa foi subindo. Logo surgiram os primeiros gritos, os desabafos foram se tornando palavras de agressão, até que veio a hora do impensável: o tapa desferido ali, a seco, no rosto do ancião!
- Dê-me minha parte, velho! Não serei mais escravo dessa fazenda nem por um minuto.
De um antigo baú, ao canto do quarto, o ancião retirou um maço de notas, produto de anos de economia suada. Sem conseguir olhar para os olhos do filho, estendeu-lhe o dinheiro. Aos seus pés, no assoalho, as pequenas marcas das gotas que teimavam em sair de seus olhos.
Muitos anos depois, numa sarjeta escura de um beco da cidade, um andrajoso homem chorava copiosamente. Chegara à Capital com os bolsos cheios de dinheiro e a alma sequiosa por aventuras. Cercou-se de dezenas de amigos. Teve a mesa farta e dificilmente ia dormir sem estrear uma nova e sensual companhia.
Como era de se esperar, o ritmo alucinante das noitadas e os péssimos investimentos empresariais, feitos por um homem que apenas sabia manejar a terra, levaram-no àquele estado de penúria e necessidade, dependendo da caridade alheia para ganhar um naco de pão ou algum resto de comida.
Em seu pranto contínuo, torturava-se pensando em colocar fim à própria vida. Ou então, ainda mais difícil: voltar aos pés de seu velho pai e implorar por aceitá-lo de volta.
Tomou a decisã conseguiu, numa repartição de ação social, o bilhete de trem para retornar à sua região. Mendigando nas ruas juntou dinheiro para mandar uma correspondência, uma angustiante cartinha, ao seu velho pai.
Envergonhado, escreveu dizendo não ter coragem de encarar o velho face a face. Combinou uma senha para saber se deveria ou não voltar para casa. Dias depois, trêmulo de fome e de vergonha, embarcou no vagão apinhado e preparou-se para a longa viagem.
Sentado no mesmo banco, ao seu lado, seguia um rapaz bem apessoado, distraído por entre as páginas de um livro que saboreava com nítido prazer. Pouco depois o rapaz parou a leitura e puxou conversa com seu vizinho. Muito educado, não deixou transparecer seu espanto pela sujeira ou pelo odor dos trapos que o revestiam. Perguntou-lhe o que fazia, para onde estava indo...
Aos poucos, engolindo algumas lágrimas que sufocavam sua fala, foi contando àquele desconhecido a desventura de sua vida. O inebriante brilho dos salões de festas em contraponto à companhia dos ratos no beco lamacento... O paladar luxuriante dos lagostins e do champanhe, em antagonismo ao azedume da comida encontrada em latas de lixo.
Finalmente, desfeito em lágrimas, vendo que o elegante rapaz estava condoído de sua história, armou-se de coragem e fez-lhe um veemente e emocionado pedid
- Na próxima curva da ferrovia será a minha parada. A pequenina estação do trem fica exatamente na frente da porteira da propriedade de meu pai. Eu pedi a ele que deixasse um lencinho amarrado na porteira e esta seria a senha de que estou perdoado. Se este lencinho estiver lá, eu poderei enfim voltar para meu velho pai.
E assim falando, abaixou a cabeça, cerrou os olhos com as mãos encardidas e passou a suplicar a seu companheiro de viagem que lhe dissesse, assim que avistasse a porteira, se havia algum lencinho nela amarrado. E insistia entre soluços indagando se ele já conseguia ver algum lencinho.
- Não! Disse-lhe o companheiro de viagem.
- Já estou vendo a porteira, mas não avisto nenhum lencinho.
- O que vejo é um ancião, de cabelos brancos, parado à frente da porteira. E à sua volta, os arbustos, as árvores e até os postes da fiação elétrica estão todos lotados de tecido branco!
Que em 2017 o nosso coração esteja pronto para a doce prática do perdão. Pois este é o verdadeiro caminho para a paz interior e para a conquista da felicidade!