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Brava gente brasileira

Tharsis Bastos
Publicado em 21/10/2013 às 11:09Atualizado em 19/12/2022 às 10:34
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Brasileiros...

Afinal, que gente é essa?

Em artigo de alguns meses atrás, um professor lembrava que, a rigor, deveríamos ser identificados como “brasilianos”, posto que o sufixo “eiro” acoplado ao nome da pátria, nada mais é que a atividade extrativista dos que depenaram o país de sua madeira mais cobiçada à época: o pau-brasil.

Em dezenas ou centenas de artigos e teses sociológicas, o grande – e único – consenso ao explicar nossa índole, recai sobre o critério inicial de escolha, utilizado pela Coroa portuguesa, para preencher o território com lusitanos “pura-linha”: ladrões, assassinos, estupradores, cafajestes, vadios em geral e outras pérolas do gênero.

Agregue-se a tal argamassa genética as figuras do índio, um ser milenarmente treinado para viver de um extrativismo sustentável da natureza e, fechando o ciclo, o negro. Este, um derrotado em dois cenários: no Brasil, por correntes e açoites e na África, onde houvera sido ferozmente caçado por seus irmãos continentais.

Sérgio Buarque, com sua tese de “homem cordial”, buscou manter a elegância do texto, mas, nas entrelinhas de seu “Raízes do Brasil”, salta aos olhos o imenso esforço feito pelo “pai do Chico”, para não nos apodar com adjetivos menos leves.

Malandragem, jeitinhos, levar vantagens, um comportamento em público e outro isolado... Enfim, quem nasceu e convive com este imenso e desajeitado Brasil, conhece de longa data aquilo que os vizinhos de cima chamariam de nossa life-way.

Espremido, apertado ao extremo, pego pela vergonha, o cidadão mais indignado (são poucos) se defende, jogando todo o peso da culpa a uma certa “classe política”, que malbarata e dilapida nosso patrimônio moral. A maioria se esquece que nos cargos públicos, desde míseros vereadores das mais distantes cidades, até nosso glorioso presidente do Senado, se assentam as pessoas que nós mesmos escolhemos para tecerem a chamada representatividade popular.

Não conheço estudo a respeito e nem creio que haja algum, mas – só para tomar um exemplo histórico – se no Congresso Nacional existem 300 picaretas (você, leitor, sabe quem disse isso) e considerando que temos quase 600 parlamentares, então vivemos num país de 100 milhões de picaretas – que são 50% da população brasileira... Esta seria a perversa lógica de um país que ao olhar para seu Congresso, reconhece estar ali o espelho de seu povo.

Bela conta... De cada dois brasileiros, podemos atirar um ao lixo!

Viria daí o sentimento anarquista que toda uma nação ostenta, travestida de república federativa? A conferir... Por onde se olha, os exemplos de selvageria multiplicam-se, entrelaçando-se a atos despudorados de incivilidade e malandragens rastaqueras.

Existem no país milhares de espertinhos que transitam pelas ruas em carros com placas vermelhas (destinadas aos táxis) sem que sejam obrigados a transportar qualquer passageiro. São amigos dos espertões: prefeitos que beneficiam apaniguados, afilhados, cabos eleitorais... Estão aí pela rua, aos milhares. Usam as benesses, todos nós pagamos por isso e ninguém denuncia (porque ninguém pune).

Motociclistas, também aos milhares (talvez milhões) em franca e total loucura, voam pelas ruas, na maioria das vezes com escapamentos “abertos”, num inferno ensurdecedor, que matam pessoas como epidemia de cólera. Ninguém fiscaliza, ninguém denuncia (porque ninguém pune).

Motoristas, já calejados com a malandragem governamental dos radares, uma ratoeira arrecadatória, vingam-se no trânsito,

cometendo as mais bárbaras imprudências possíveis e imagináveis. Alguns, acossados demais pelas leis rotas do trânsito (que só visam dinheiro), logo descobrem o bode ideal para expiar suas revoltas: o pedestre! Experimente, leitor, tentar atravessar uma rua em horário de rush, fora da faixa de pedestre. Em poucos minutos um animal, montado em uma blindagem de aço, jogará a estrutura contra você, para ensiná-lo a respeitar também “as leis” do trânsito... Isso mesm ele de carro e você a pé! É assim que ele te ensina!

Os exemplos se alongam, se estendem, centenas, cansam... Por onde se volta o olhar, tudo se repete. Ora são os energúmenos, travestidos de padeiros, que para surrupiar centavos da economia popular, fabricam o “pão espírita”, aquele você aperta e ele some, conspurcando talvez o mais sagrado alimento dos pobres.

Proprietários de empresas de transporte coletivo, que corrompem e pagam homens públicos, para vencer licitações onde se comprometem a transportar pessoas, fazendo-o com a qualidade um pouco inferior à que se transportam muares.

Empreiteiros de várias cepas que, a custa de propinas miliardárias,  recebem as benesses de imensos contratos de obras, por onde tramitam fabulosas somas de recursos públicos. Tudo é enorme, tudo é superlativ os projetos, as licitações, as propinas, os anúncios de propaganda... menos as obras. Essas surgem chinfrins; grande parte já corrompida de origem, a exigir aditivos onerosos, que mais uma vez serão fraternalmente divididos na alcova e, em pouco tempo, gerarão novos aditivos.

A praga se alastra por todo o cenário. Farmacêuticos que recebem cargas de medicamentos contrabandeados do Paraguai, cansados de saber que ali o princípio ativo dos remédios foi escandalosamente adulterado. Quando mantido...

Policiais que recebem soldo inferior à sobrevivência digna de uma família e, arma à mão, proporcionam espetáculos deprimentes de corrupção da autoridade. Patrulheiros rodoviários que achacam motoristas. Caminhoneiros “turbinados a rebite” que na sanha do lucro fácil transitam quais zumbis, causando tragédias e ceifando vidas. Agentes de saúde sacripantas, que furtam remédios caros de postos de atendimento popular para vendê-los a médicos, sacripantas ainda maiores.

Todo ano, é crônico, pipocam pelo país os casos de exames vestibulares, exames básicos como Enem, exames de concursos públicos, miseravelmente fraudados, deixando no ar o repugnante – e triste – sentimento de que só alguns são desmascarados.

Míope por seu próprio desaculturamento, vez ou outra a plateia se alvoroça e sai às ruas aos berros por mudanças. Na última empreitada – temo eu – cometemos mais um grande equívoco. Laureamos a cabeça orgulhosa dos promotores de justiça, derrubando uma PEC (fato louvável, diga-se), mas deixando no ar o sentimento que esses jovens ministros devam viver exclusivamente na caça aos políticos. O que, sem dúvida nenhuma, é um alívio para os milhares de escroques, que sobrevivem como peste negra, às margens da política. Peça-se a um jovem promotor para sair à caça de pães-espíritas (crime contra a economia popular); motoqueiros assassinos, transporte público sucateado... A resposta será um altivo e sonoro “jamais”! Isso não dá mídia!

Talvez fosse necessário não um livro, mas toda uma enciclopédia, para enumerar, adjetivar, classificar e identificar cada uma das mazelas de uma gente como a nossa. E nem adianta (digo isso aos mais castos) querer jogar a batata quente para outro colo. Não... Não podemos nos esquivar dessa dura realidade com a explicação banal de que “é o País...”.  Porque o país, esse enorme pedaço de terra espremido entre o Atlântico e os Andes, continua – como ocorre há séculos – oferecendo seus rios para  transportar nossas fezes e suas matas para nossas tochas incendiárias, geradoras de pasto e desolação.

Talvez – e isso é só um talvez mesmo – ao comemorarmos dois milênios do nosso descobrimento (anote aí: ano de 3.500) tenhamos sobre essas magoadas terras, pelo menos o gérmen de uma raça mais identificada com valores éticos.

Que Sua Santidade, Francisco, me perdoe, mas se Deus é brasileiro, o Universo deve ser algo perto daquilo que apelidamos de Casa da Mãe Joana...

Tharsis Bastos

jornalista e escritor

 

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