Prezado senhor J.R.A.; venho pela presente manifestar minha mais profunda, imensa e imorredoura inveja diante seu périplo, desfrutado na tarde do dia 21 de outubro passado. Os jornais, a internet e mesmo algumas rádios noticiaram seu breve passeio, iniciado no alto de São Benedito, descendo pela Olegário Maciel, passando pelo “calçadão” da Arthur Machado e, pouco mais à frente, interrompido por policiais militares.
Nas fotos dos jornais, nos vídeos da internet, na narração dos locutores de rádio, a informação é sempre a mesma: o senhor caminhando a passos lentos, cabisbaixo, ensimesmado e profundamente absorto em seus pensamentos. Chamou a atenção do populacho foi o fato de o senhor, em seu passeio, fazer-se apresentar da mesmíssima forma como um dia veio ao mundo, ou seja, sem nenhuma peça de roupa!
O homem que caminhava nu, lentamente e perdido em devaneios, motivou exclamações por onde passou. Alguns duvidando de seu estado mental, outros indagando não ser alguma aposta de amigos... E este pobre escriba, que só acompanhou os fatos pelo noticiário, não tem nenhum ponto de exclamação a exarar. Apenas as reticências que restaram de sua caminhada...
Quem sabe, caro amigo, por onde vagavam seus pensamentos, naquele solitário e circunspecto passeio? Certamente não estaria preocupado com as despesas financeiras que nos batem à porta mensalmente. Tampouco com os desejos consumistas, fatídica sina de nossos dias, de trocar o carro ou modernizar a mobília.
Quem dera, prezado J.R.A. , pudéssemos caminhar por aí apenas cobertos pela inocência original com que o Criador reveste cada criança! Além do imenso conforto que o gesto traria, nesta Uberaba de calor insuportável, iríamos com certeza nos cumprimentar de forma mais espontânea. Entender a igualdade original de cada ser humano, que hoje as etiquetas de grife apartam das roupas baratas.
Sob o manto coletivo da nudez, estaríamos livremente nos igualando aos pássaros ou, como disse Jesus, aos lindos lírios do campo.
Termino dizendo que o senhor, ainda que involuntariamente, nos recolocou em nossos devidos lugares. É através da vestimenta que se inicia a abjeta realidade do “apartheid social” que este mundo nos impõe.
Ao suprimi-la de forma tão drástica e passear calado pelas ruas, por entre uivos e assovios, o senhor lançou em nossas faces a frase silenciosa de seu gest “Vê? Julgamos ser tanto... e somos apenas isto!”
Tharsis Bastos