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Como diria Esopo

Tharsis Bastos
Publicado em 23/08/2025 às 09:46
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O sol estava raiando entre as nuvens...

A manhã prometia. Reunida em assembleia, a bicharada se dividia em pequenos grupos. Aboletado em seu toco de Presidente, o macaco-prego precisou pigarrear umas três vezes até obter silêncio.

- Meus ínclitos consortes, começou. Ele havia aprendido a palavra “ínclito” com o velho jabuti, seu assessor de confiança. Não sabia bem o que significava, mas sabia que causava grande impressão. A bicharada se espremeu, ajuntando-se mais à frente.

- Vivemos momentos de grande dificuldade, prosseguiu. Como todos vocês sabem, nosso líder maior está se preparando para lançar um novo decreto e, com sua delicadeza e benevolência de praxe, chamou-me em reunião para conclamar nosso total apoio!

Rugido geral, apupos, muitas vaias, alguns aplausos. Sempre com ares de bom moço, o veado-do-campo deu dois elegantes passos adiante e foi bastante objetivo:

- Mas, excelência, como nosso tão íntegro e fiel presidente, vossa senhoria não fez ver ao nosso Líder-Maior que estamos pressionando em excesso o arvoredo?

A irritação do macaco era visível:

- Nobre colega, nosso Líder-Maior está coberto de razão! A produção de frutos, de brotos, de folhagens tenras, já não atende à demanda! O arvoredo tem se mostrado pouco producente nos últimos anos. É preciso uma ação audaz, uma corajosa reação de nossa parte para que evitemos a escassez de recursos!

Resignado, o veado-do-campo recuou dois passos, sendo seu lugar logo ocupado por um gambá, cuja presença, por razões óbvias, era sempre marcada por um clarão ao seu redor. Ninguém chegava muito perto...

- Caro Presidente, com toda a vênia que Vossa Excelência me merece, fico aqui a cogitar meus temores. Esse decreto, assim tão opressivo, não poderia gerar alguma reação mais aguda do arvoredo? Como sabe Vossa Excelência, quando age unida, a floresta pode ser implacável!

O pequeno símio coçou-se impaciente:

- Reação? Qual reação teme o nobre colega? Floresta é floresta! São apenas árvores! O máximo que podem fazer, se tanto, é farfalhar suas folhas um bocado. E depois isso passa. Vão produzir mais e isso será bom para todos!

Mas, apesar de sua observação ter recebido algum aplauso, a maioria da bicharada não se mostrava convencida... O Presidente percebeu que, se colocasse em votação naquele momento, não conseguiria a aprovação para o pleito!

Pediu a suspensão temporária dos trabalhos, deixando o toco vazio e partiu para a grota escura, onde o esperava o Grande Líder. Notou, de longe, o ar de desagrado do Leão, um carnívoro já carcomido pela idade, que tivera dias melhores na floresta.

– Saudações efusivas, grande líder! Poderia a sua excelência conceder-me alguns minutos de seu precioso tempo?

O leão nem se deu ao trabalho de olhá-lo. Apenas assentiu balançando a cabeça e rosnou entre dentes: – “Prossiga”.

– Meu idolatrado mestre, após tanto tempo observando do alto das árvores as questiúnculas de nossa amada terra, vejo-me na obrigação de trazer até vossa excelência os meus mais profundos temores...

– Ô, macaco, desembucha logo! O rosnado dessa vez foi mais alto.

– Bem, nobre senhor, o fato é que não estou vendo clima entre meus pares para aprovar o vosso tão magnânimo decreto! Da forma como estamos, creio que não chegaremos sequer à maioria simples!

O velho leão disparou chispas pelos olhos.

– Eu não sei onde estou com a cabeça que não te faço virar chiclete bem agora! E voltando-se para o escuro da grota palaciana rosnou: – Mandem chamar meu chefe da casa animal imediatamente!

Em poucos minutos, um trêmulo cachorro-do-mato acostou-se ao leão: – “Pois não, grande líder!”.

– Mande redigir um adendo ao Decreto Presidencial. Do esperado aumento de provisões a ser arrancado da floresta, iremos dividir um terço com a nobre assembleia votante! Antes, porém, precisamos do aval completo dos nobres senhores ministros do ofidiário. Leve a eles imediatamente essa consulta!

Trêmulo e ofegante, o cachorro-do-mato partiu para as profundezas da selva, chegando esbaforido ao Pedregal Supremo. Ente uivos e um latido nervoso, apresentou a emenda às serpentes reunidas.

O presidente do Pedregal, uma jiboia imensa, piscou os olhos nervosamente: – Isso é ultrajante! Com minhas devidas desculpas, o nosso grande líder está sendo muito condescendente com esses malandros da assembleia! Enquanto isso, sem mais nenhum benefício, sem mesmo uma extensão salarial que nos acuda, ficamos aqui laborando para viabilizar seus planos! De qualquer forma, vamos submeter mais essa medida à nossa colenda turma.

A emenda passou então a ser discutida pelas víboras presentes. Uma jararaca enroscada em si mesma tomou a palavra.

– É um abuso! Ainda ontem, em conversa informal com nossa colega, meritíssima cascavel, mostrei-lhe quantas vezes estamos cedendo terreno para esses quadrúpedes abusados! E, ainda por cima, ad-argumentandum, não obtivemos nenhuma resposta do grande líder quanto ao nosso pleito de férias semestrais!

Sua fala foi recebida com aplausos efusivos do ofidiário inteiro. Uma cobra-coral já entrada em anos, pegou o microfone: – “Seja como for, aconselho os sapientes colegas a cedermos por mais uma vez. Só essa vez, tá?”.

E assim, com a emenda devidamente carimbada, lá se foi o cachorro-do-mato cumprir sua nova ordem, que era levar o despacho diretamente à assembleia. Entregou-o em mãos para o macaco-prego. Animado e sorridente, este o ergueu no ar, bradando:

– Nosso amado líder acaba de me informar que um terço de toda a produção excedente arrancada à força da floresta será destinado sabe a quem, amigos?

Esperou a tensão se espalhar pela clareira... – “Sim, a nós! À nossa gloriosa e íntegra assembleia!”.

 O alvoroço foi grande. Uivos, mugidos, latidos e grasnados. Muito aplauso e festa total! Experiente no ramo, o macaco colocou imediatamente o decreto em votação, dispensando inclusive a chamada nominal.

– Aprovado por aclamação!

Foi nessa hora que uma esquálida palmeira, já com as folhas murchas de cansaço, sussurrou para um idoso carvalho: – “Você tá entendendo alguma coisa?”. Ele farfalhou seus grandes galhos em resposta:

– Estou... a farra vai ser grande, o banquete deles será majestoso. E, como sempre, a conta nós pagamos!

O sol começou a se pôr no horizonte...

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