O prédio estava em petição de miséria. Já fazia bem uns quatro anos que eu vinha forçando
O prédio estava em petição de miséria. Já fazia bem uns quatro anos que eu vinha forçando Felipe, nosso síndico, a promover uma reunião de moradores de forma a tomar decisões urgentes e necessárias.
Com muito custo, cotizando-nos e encorajando-nos uns aos outros, promovemos uma vaquinha e conseguimos alugar mesas, cadeiras, comprar alguns refrigerantes e, como forma de atrair o máximo de moradores, encomendamos na padaria ao lado um magnífico bolo, todo confeitado, daqueles que se come com os olhos.
Horas antes da reunião sentei-me com Felipe no imenso vazio da garagem, transformada naquele dia em saguão de votação, para tratarmos da pauta. Como eram muitos os temas a serem discutidos, era forçoso criarmos uma linha objetiva de assuntos.
Uma cena insólita: a garagem vazia, as mesinhas de plástico unidas umas às outras, forradas com um lençol de cama emprestado por uma moradora e, por cima, aquele imenso e requintado bolo. De um lado, eu com minha prancheta e papéis de anotação. Do outro, nosso displicente síndico.
Para minha surpresa, tão logo sentou à minha frente, Felipe muniu-se um pequeno garfo de plástico e passou a arrancar pequenas porções do glacê do bolo que, gostosamente, levava à boca. Fiz-me de desentendido e passei à pauta.
Deveríamos iniciar a reunião admitindo a presença dos moradores inadimplentes com o condomínio? Felipe franziu a testa, fez uma cara de interrogação, afundou o garfinho no bolo e lá se foi um belo pedaço.
Poderíamos, no entendimento dele, levar na reunião o pessoal da empresa prestadora de serviços, para falarem sobre os problemas – e os custos – do sistema hidráulico do prédio? Felipe torceu a cabeça para um lado, depois para outro, afundou o garfinho no bolo e lá se foi outra boa porção.
Ali pela sexta ou sétima indagação que eu apresentei, acompanhadas por igual número de grandes e generosas espetadas de garfo no bolo, perdi a paciência: - Poxa, Felipe, se você não me ajudar a montar a pauta, teremos uma bagunça instalada aqui e não uma reunião!
Ele retirou mais um grande pedaço do bolo que mal coube em sua boca e levantou-se apressado. Soltando palavras misturadas com pedaços de glacê, resmungou algo sobre nós mesmos decidirmos e foi-se embora apressado.
Fiquei ali, aturdido, com a prancheta e os papéis em branco nas mãos. Quando baixei os olhos para a mesa, o que vi foi um amontoado de migalhas no lugar onde estava um imenso e bonito bolo.
Muitos dias depois é que a ficha caiu. E compreendi que todos os importantes assuntos que tínhamos a tratar, todas as discussões destinadas a melhorar nossa forma de vida eram questões menores (senão inexistentes) para Felipe.
Enquanto eu dava toda minha atenção às graves questões de nosso condomínio, ele estivera ali o tempo todo compenetrado apenas em um propósit comer o bolo!
Não tivemos – como era de se esperar – solução alguma para nossos problemas. Dias depois tentei motivar os moradores a fazermos uma assembleia de emergência, para trocarmos o síndico. Nova surpresa:
Felipe havia ordenado ao porteiro que fizesse uma distribuição das migalhas restantes do bolo, bem como dos refrigerantes, entre os moradores dos andares mais baixos, onde os apartamentos são menores e o pessoal é mais pobre... Ninguém topou a mudança!
Hoje, não sei se continuo insistindo junto aos moradores ou se mudo de prédio... O que você faria?