Este artigo é escrito a pretexto de uma data nada feliz: 30 de maio de 2016. Nesse dia, há exatos nove anos, o ex-deputado federal e ex-secretário de Estado de Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, Narcio Rodrigues, foi preso preventivamente no âmbito da chamada “Operação Aequalis” — uma ação conjunta do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), da Controladoria-Geral do Estado (CGE-MG) e da Advocacia-Geral do Estado (Agemg), que apurava suspeitas de desvio de recursos públicos nas obras do Complexo Cidade das Águas, em Frutal (MG).
A repercussão da prisão foi intensa. Um nome com trajetória pública consolidada, ligado à questão ambiental, à educação e à ciência e tecnologia, Narcio Rodrigues, político mineiro, foi exposto em manchetes nacionais sob acusações graves: corrupção passiva, lavagem de dinheiro, fraude à licitação, peculato e organização criminosa.
Contudo, nenhuma dessas acusações foi comprovada até hoje. Pior: não houve sequer desfecho judicial — nem absolvição nem condenação. Em vez disso, o que se seguiu foi um processo marcado por vícios, demora e omissões institucionais que comprometem seriamente o Estado de Direito. Entre os elementos mais críticos desse episódio, destacam-se três fatos incontestáveis:
Prisão ilegal segundo o STJ
A prisão de Narcio Rodrigues foi considerada ilegal por unanimidade do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A medida extrema da prisão preventiva, que deveria ser exceção, foi aplicada sem prova robusta de risco à investigação ou à ordem pública. A liberdade foi restabelecida, mas os danos à imagem e à reputação permaneceram.
Vício de origem: a Justiça incompetente
A Justiça Comum Estadual sabia desde o início que as obras da Cidade das Águas consumiam recursos federais e que, portanto, não cabia a ela — por falta de competência — tratar do assunto. Mas, ainda assim, o Juiz de Direito de Frutal decretou a prisão do ex-deputado. A verdade é que, além de consumir recursos federais, o processo incluía acusações de possíveis operações internacionais (evasão de divisas) e isso excluía a competência do juízo estadual para atuar, transferindo a responsabilidade, por norma constitucional, à Justiça Federal. Esse erro de origem comprometeu toda a tramitação posterior e causou a anulação de atos processuais, incluindo a perda da condição de réu de Narcio, que passou a aguardar novo pronunciamento do Ministério Público Federal.
Absolvição administrativa ignorada
Em paralelo às ações penais, a CGE-MG instaurou um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar a conduta dos servidores públicos da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Sectes). Concluído em 2023, o PAD absolveu os funcionários acusados, reconhecendo a ausência de ilicitudes administrativas. No entanto, esse resultado não foi levado em consideração para reavaliar o mérito das ações judiciais. O Ministério Público tampouco emitiu nova manifestação à luz desse desfecho, mesmo após a principal base factual da acusação ter sido desmentida no plano técnico institucional.
O custo do silêncio
Não se trata apenas de um caso sem solução. Trata-se de um caso sem Justiça. A permanência indefinida de uma acusação grave, sem provas, sem julgamento e sem retratação institucional viola os direitos fundamentais, corrói a confiança pública e fragiliza o sistema democrático.
A inércia da Justiça — que deveria ser célere quando se trata da dignidade das pessoas e da verdade dos fatos — tornou-se, aqui, a mais perversa forma de condenação.
O que o “Caso Narcio Rodrigues” revela não é apenas a exposição midiática apressada e a força de um Ministério Público que se precipitou com base em documentos inconclusivos. Revela, sobretudo, a falência dos mecanismos de correção institucional, mesmo após a evidência de ilegalidades processuais, vícios de competência e absolvições técnicas.
Passados quase dez anos, permanece a pergunta essencial: até quando uma pessoa pública pode ser submetida a um linchamento sem julgamento, como Narcio Rodrigues continua sendo, e o Estado permanecer impune por isso?