O Netinho (Ataliba Guaritá Neto) colocou no ar o dolente samba canção de Adoniran e Vinicius: “Bom Dia Tristeza”. E sua “A Crônica ao Meio Dia” daquela manhã-tarde foi dedicada à tragédia que Uberaba assistiu no “Bar do Antero”. Um depósito clandestino de pólvora destinada a fogos de artifícios mandou o local pelos ares e, junto com ele, muitas vidas também se foram. Ocorreu em 9 de abril de 1969. Entre as 7 vítimas fatais havia duas crianças de 11 e de 5 anos.
Na madrugada de domingo passado, 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria (RS), ainda se contabilizavam as vítimas do incêndio na Boite Kiss, centro da cidade gaúcha. As primeiras informações falavam 250 mortos. Governador do Estado e Presidente da República deixando seus afazeres e rumando para o local, para prantear os mortos junto às famílias destroçadas pela dor.
Vou, ao meu redor e bem devagar, depositando o olhar sobre cada uma das bonitas molduras que embelezam as fotos dos filhos. Garotas sorrindo. Rapazes com aquele brilho da esperança nos olhos. Vida em plena ebulição. E me ponho no lugar dos pais desses jovens gaúchos que assim, do nada, repentinamente, ficarão apenas com as fotos para lembrar...
Escrevo na manhã em que ainda se contabilizam os mortos. Mas, mesmo à falta de maiores informações, já se pode traçar um quadro da tragédia. A banda musical busca um melhor “loock” em sua apresentação e apela para sinalizadores incandescentes, tão úteis em situações de risco, mas tão perigosos em ambientes fechados. O teto, isolado acusticamente com espuma de isopor, se incendeia em segundos. E, para completar a tragédia, sem entender a gravidade do momento, os proprietários da boate decretam o lacramento das portas para que ninguém saia sem pagar... Pronto, está unida a cadeia de pequenos descuidos que formam todas as grandes tragédias.
O resto, é o de sempre. É mais do mesmo. Os corajosos bombeiros lutando para salvar o máximo de vidas. Os pais, apinhados nas calçadas, aos prantos, com aquela angústia no peito buscando desesperadamente alguma notícia da filha que não voltou para casa...
Lembro-me de um dia, numa entrevista com o Chico Xavier, ter ouvido dele uma frase em que o contexto era outro, mas que serve bem para esta situaçã “Até as flores, para nascer e serem lindas, precisam dos excrementos, do adubo...”
O recado que nos chega de Santa Maria, sob a forma de adubo, é muito claro. Vistoriar todas as casas noturnas de Uberaba, onde nossos jovens se reúnem. Detectar e suprimir das construções qualquer material de grande poder de incandescência. Em caso de ambientes fechados, obrigar que as portas de acesso e saída sejam de material frágil. E proibir, a qualquer custo, o manuseio de materiais incandescentes durante as concentrações.
É o mínimo que podemos fazer. Pode não adiantar muito, mas pelo menos estaremos lutando para evitar alguns elos da cadeia das tragédias. E suspirando, torcendo, rezando nos escuros, para que eles voltem para casa sãos e salvos. E não sejam apenas lembranças. Lembranças amargas em um porta-retrato.