“Eu não deveria ter dito aquilo, porém foi o que senti naquele momento. Foi-se o cuidar, a possível aventura”! Este trecho de fala alivia o escritor, todavia traz dúvida ou desperta a curiosidade do leitor que, também, busca pela cura. Assim, elabora-se o poder mágico do viver nas linhas tecidas pela escrita!
Escrever ou ler um texto realinha sentimentos e memórias; desperta criatividade, pensamentos e emoções. E o autor se pergunta: o que o outro leva de mim?
Ler e escrever são tesouros que enriquecem e abrem estados mentais e, a cada realização de uma destas ações, não se é a pessoa anterior, nova casca encobre nova luz!
Não se contém o encantamento ao conhecer o processo de tal prazer delineado por Sigmund Freud, no texto “O escritor e a fantasia” (1908). Inicialmente, faz distinção entre o brincar na infância e o fantasiar no adulto. Ambos, em suas idades psíquicas próprias, utilizam a realidade: a criança se apoia em “objetos reais” e o adulto, em “devaneios”, pois “envergonha-se de suas fantasias e as oculta dos outros”.
Freud salienta que os “desejos não satisfeitos são forças motrizes das fantasias” que, em excesso, podem gerar sintomas patológicos.
Interessante sua abordagem ao relacionar a fantasia ao “sonho diurno” que, tal como o “sonho noturno”, é realização reprimida e deformada, empurrada para o inconsciente de cada indivíduo. Ou seja, diante da impossibilidade de realização de um desejo, por condições materiais ou por vergonha de sua manifestação, fica guardado no ser, porém vem à tona, ganha vida na fantasia consciente ou no sonho.
À frente, nesse texto, Freud compara o escritor ao “sonhador em pleno dia” com suas “criações e devaneios”, que se projeta em um herói ou no papel de um observador em “histórias egocêntricas”! Enfatiza que “tanto a obra literária como o devaneio são prosseguimento e substituição do que um dia foi brincadeira infantil”. Corroboro esta frase ao me lembrar, na infância e adolescência, os presentes eternos de meu pai: cadernos, lápis e canetas coloridos, e, diariamente, o jornal da cidade impresso!
Diante da premissa de que o escritor, como qualquer outro indivíduo, esconde-se por envergonhar-se de suas fantasias e, se as relatasse, o leitor poderia se chocar, Freud comenta que o escritor conta o que agrada ao leitor supor ser o seu devaneio pessoal. Ou seja, desperta a fantasia do leitor, gera prazer pela incerteza sobre o real devaneio do autor.
Desta forma, “o escritor atenua o devaneio egoísta por meio de alterações e ocultamentos” no texto e cativa o leitor pelo prazer estético da obra. Doa apenas um “brinde incentivador” ou “prazer preliminar”, pois a “fruição da obra literária vem da libertação das tensões da psique” de cada leitor. O que, também, permite a este “desfrutar as próprias fantasias sem qualquer recriminação e sem pudor”.