ARTICULISTAS

A morte é trunfo na mão dos violentos

Vânia Maria Resende
Publicado em 27/03/2024 às 18:10
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A morte faz parte dos ciclos da vida. É natural na velhice, mas pode ser prematura causada por doença congênita, desastres ambientais e violência de todo tipo. Genocídio tem sido praticado em investidas colonizadoras ao longo da história. O imperialismo fatura com morticínio contra um continente, país, etnia, religião, visando domínio, riqueza e lucro político. Megalomaníacos do poder invadem, expulsam, coisificam, geram miséria; torturam, exterminam. Tomam posse do território e oprimem, mutilam, escravizam, exploram pessoas, solo, flora, fauna. O armamentista vencedor festeja a vitória da destruição: quanto mais mortes, maior o trunfo.

A TV mostra cenas de guerra ao vivo. Sem racionalidade e códigos de ética, ataques explodem gente (até em hospitais e ambulâncias), natureza, casas, escolas, bibliotecas, mesquitas, museus, memórias. Já morreram milhares de civis. No caso de crianças, mais de treze mil morreram na Palestina, desde outubro de 2023; outras tantas ficaram órfãs, mutiladas, famintas. Quem se mantém indiferente a isso, e se isola no casulo interior, talvez seja um dos tipos assim definidos pelo filósofo Byung-Chul Han: “Não são capazes de nenhuma dádiva. Em uma existência caseira, econômica, eles se fecham ao outro. [...] as feridas arrancam o eu para fora da tranquilidade caseira, para fora da interioridade autoerótica e da satisfação consigo mesmo” (obra “Morte e alteridade”, p. 396-397). No lado oposto, os compassivos se abrem ao mundo.    

Políticas colonialistas, desde sempre, dizimam culturas e povos. Maldade, ódio, cinismo movem regimes perversos, como nazismo, fascismo e todo aquele que tiraniza a partir de ideologias prepotentes e radicalismos. Por meio de ações supremacistas, pretendem anular a identidade dos que eles oprimem; fazem prosperar uma economia que enriquece o opressor e empobrece os explorados, e, assim, instauram sociedades com desigualdades gritantes.

Necropolíticas são incompatíveis com a paz. Cultivam ódio e morte, mesmo que seus ególatras ditadores se vistam de pele de cordeiro e se valham hipocritamente do nome de Deus. Paz e verdadeira espiritualidade não incitam extremismo e arma; não propagam falsos dogmas. As duas, ao contrário, são vivência de humanidade incondicional, e não alienam consciências para melhor escravizar as pessoas. Um ateu pode, independente de religião, ser genuinamente humano na condição de lutar contra violência, injustiça, morte, sofrimento, preconceito, exclusão, espoliação de quem ou do que quer que seja.

A guerra rural e urbana no Brasil tem vestígio colonialista, do modelo bárbaro de matança, massacre, violência. A educação de qualidade, atrelada à cultura, à arte, ao esporte e à formação com valores éticos humanistas, a partir da Infância, contribui para o desenvolvimento justo e civilizado. Fora disso, a selvageria cresce, mata feto com bala perdida; executa por engano; e responsável por segurança ataca em vez de proteger os mais frágeis, como Genivaldo. Ele levava no bolso receita de remédio para esquizofrenia, ao ser abordado sem capacete, em 2022, em SE. Porque ficou agitado e se debateu, os policiais o fecharam no porta-malas do carro deles. Torturado e asfixiado com gás lacrimogêneo e de pimenta, num espetáculo público, morreu por motivo banal e culpa da polícia.

Atrocidade e ilegalidade deveriam gerar indignação social. Mas parte da população brasileira é adepta do uso de arma até pelo próprio cidadão, tendo em vista segurança e justiça com as próprias mãos. A violência no país é considerada superficialmente pelos que defendem solução a curto prazo e punição ilegal. A premissa bandido bom é bandido morto traduz a repressão pela repressão e o perfil triste da sociedade. Prevenir, educar, ressocializar têm efeito em longo prazo. A liberação criativa dos sonhos da juventude tem efeito positivo na prevenção do mal. A artilharia selvagem impede o sonho com a anacrotanásia (termo de Juvenal Arduini, na obra “Ética responsável e criativa”), que é morrer antes ou fora da hora.

Ficar insensível à morte de inocentes, como crianças, em guerras do Oriente Médio, Ucrânia-Rússia e outras, e em ruas brasileiras, é ser conivente com a cultura responsável por ela. Reparar a injustiça é coibi-la com denúncia, repúdio à barbárie, e com propostas humanitárias para a cultura da paz. Foi esse o intento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada após o fim da 2ª Guerra Mundial e promulgada em 1948. Quanto ao horror bélico atual que viola o direito de certos países ao seu território, a reparação dos danos precisa ocorrer com ampla e forte pressão mundial contra países separatistas e imperialistas.  

 Vânia Maria Resende

Educadora, doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa

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