ARTICULISTAS

A via da transcendência na história de São Lucas

Relativizando-se as significações de ficção

Vânia Maria Resende
Publicado em 19/04/2013 às 20:10Atualizado em 19/12/2022 às 13:32
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Relativizando-se as significações de ficção, mito, realidade, não se encontram em oposição, nos universos ficcional e mitológico e na própria vida, o que é fantasia e o que é real, ou possa vir a ser. As representações simbólicas mantêm possibilidades complexas na esfera estética, sociocultural e psíquica. Na profundidade subjetiva alojam-se reminiscências e registros pessoais e da memória e do imaginário coletivos; nela interagem conteúdos arquetípicos, remotos e atualizados, resquícios mitológicos e lendários, alegorias e imagens, que alimentam a condição humana com sentidos, portadores de valor transcendental. Sob esse prisma, a obra norte-americana Médico de homens e de almas – a história de São Lucas, de Taylor Caldwell, com muitas e sucessivas edições, é rica de simbologia.

É um romance biográfico, que funde dados tidos por Taylor como autênticos, lendas e nuanças teológicas e éticas, resulta do diálogo entre fontes bíblicas; os mais de mil livros sobre São Lucas lidos por ela; cenários históricos e geográficos concretos. O prefácio informa que a escrita desse best seller internacional durou 46 anos; aos 12 anos a autora fez a primeira versão, concluindo-o, pois, por volta de 1958. Passados 100 anos, a contar de 1912, a busca subjetiva da personagem é a mesma das pessoas, quando a consciência despertada por faltas e dúvidas profundas procura um sentido existencial e espiritual. Lucas vive acentuada inquietação interior: o seu espírito se debate com questionamento racional e emoções fortes.

Acredito que o leitor seja tocado, no romance, mais por esse tipo de busca do que pela estética da criação textual. A história romanceada da vida do santo emociona, independentemente de nacionalidade, idade, geração e formação do leitor. Na internet, há afirmações recorrentes de leitores que se referem ao livro como o “mais bonito”, “mais tocante”, “mais emocionante” já lido. Destaca-se também um testemunho revelador do médico José Augusto Nasser (área de Neurocirurgia, Doutor pela Universidade Federal de São Paulo, professor-assistente da Columbia University, Nova York) quanto à influência da leitura da obra para a sua escolha profissional e o seu desempenho indissociável de um significado religioso.

Outro médico, Pedro Teixeira Neto, gastroenterologista, como Conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, em comentário assinado sobre Cuidado Paliativo (obra lançada pelo Conselho), contextualizou esta referência: “Lucas observou que maus humores mentais podiam ferir somaticamente, e a fé, às vezes, realiza o impossível”.

Perturbado com dúvida, vazio, angústia por causa da finitude da matéria, que a razão não entende, o ser humano busca alimento, resposta ou apoio na Religião, na Arte, na Filosofia/ Ética; em apelos místicos, prova respeito ao mistério e ânsia pelo eterno. Diz Adélia Prad “Temos fome de transcendência, queremos a unidade que perdure; a arte é pão espiritual”. Na sua jornada interior, Lucas se debate com o Deus Desconhecido diante da dor e da morte de pessoas amadas, embora a sua missão de curar e aliviar a dor seja testemunho do sagrado; já o evangelista, conciliado pela fé, O consubstancia na revelação sobre Cristo, por meio da palavra.

(*) Educadora, doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa

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