O que se perpetua no invólucro simbólico de figuras arquetípicas ficcionais, mitológicas e históricas é a ressonância de efeitos mágicos
O que se perpetua no invólucro simbólico de figuras arquetípicas ficcionais, mitológicas e históricas é a ressonância de efeitos mágicos, mais do que de conteúdos objetivos, factuais, nas instâncias subjetivas profundas (emocionais, metafísicas, espirituais), insuflando um desejo, uma utopia, uma crença, uma esperança, uma força motivadora de vida, uma fé, que geram reflexos externos também. No inverso do bem, da bondade e da beleza que afetem a memória pessoal e coletiva, há seres inesquecíveis, e repudiados por mentes saudáveis, pelos estragos terrificantes extraordinários gerados por sua índole perigosa, perversa, até patológica (Hitler serve de exemplo).
Atribuo o fato de a biografia romanceada O médico de homens e almas – a história de São Lucas, de Taylor Caldwell, atrair milhares de leitores ao que há de simbólico na vida do santo, cuja caminhada mística não foi fácil, mas feita de muitos percalços e conflitos, enfrentados no decorrer de densa vivência cotidiana. A transcendência através da experiência terrena e do autoconhecimento implica esta reflexão de Amnéris Maroni, na obra Jung: individuação e coletividade: “Nos termos de Jung, o espiritual confunde-se com a interioridade psicológica, com o tecer da alma. É aí que podemos e devemos nos arriscar, buscando novos valores e uma nova forma de ser”.
No romance, São Lucas se insere na realidade com clarividência e autonomia, age com coragem e em acordo com aguda consciência crítica, que analisa, discerne e define. Formado em Medicina, foi livre, recusou prestígios, como trabalhar junto a César, em função de liderança no exercício médico. Dedicou a vida à profissão, movido por forte inspiração espiritual; colocou-se a favor de oprimidos, escravos, pobres, doentes, em vielas sem recursos, longe dos privilégios de Roma. Sua militância foi revolucionária, porque sem nenhuma concessão contrária ao comprometimento humanitário.
Lucas adquiriu conhecimento, via estudo, e, de fontes ancestrais e pessoas especiais, fruiu sabedoria e uma visão sistêmica da natureza, inclusive do homem; com esse referencial, tratou a dor, o doente e a doença. Introjetou-se na sua percepção, também, a essência feminina sutil, de mulheres delicadas e amorosas, amadas por ele e que o amaram, como Rúbria e Sara, a mãe, a irmã. Integrou ciência e fé, assimilando influências de algum professor da academia ou de outros contatos valiosos na vida. A partir do que ouviu de Maria, mãe de Jesus, em emocionante encontro, e das histórias de pessoas que conviveram com Ele, escreveu o Evangelho.
Da obra em pauta, em circulação há mais de 50 anos, extrai-se a máxima na qual a Medicina deve avançar, em combinação interdisciplinar com outras áreas da saúde: “É verdade que dor e morte são inevitáveis. Mas a dor pode ser aplacada frequentemente e a morte pode se tornar menos desconfortável”. A prática de Cuidados Paliativos começa a se disseminar como necessidade no Brasil; a sua efetivação humaniza, na contra-mão do uso impessoal de conquistas tecnológicas. A dimensão simbólica da vida de São Lucas que revela a totalidade do homem e a integração entre religião, ciência e sensibilidade toca diferentes leitores; se forem futuros ou já profissionais associados à Medicina, Enfermagem, Fonoaudiologia Psicologia etc., pelo conhecimento de causa (o cuidado e a cura), lerão com melhor condição e proveito este princípi “há campo maior para a Medicina do que o corpo e um médico deve tratar também da alma de seus pacientes.”