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A vida, pra que te quero?

Vânia Maria Resende
Publicado em 23/06/2014 às 11:39Atualizado em 19/12/2022 às 07:11
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Mais de uma vez li e ouvi, em entrevistas, a mesma resposta de Oscar Niemeyer, recolocando a convicção de que “a arquitetura é hobby, o que importa é a vida”, ou “o mais importante não é a arquitetura, mas a vida, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar”.

1 O arquiteto carioca deixou a sua marca genuína em grandes obras artísticas, de traço curvo inovador, não só no seu País, onde a maior delas se concentra no moderno complexo arquitetônico de Brasília, mas em vários pontos dos continentes.

A privilegiada genialidade desse artista se revelou durante tempo extraordinário, de longa vida lúcida, de trabalho e invenção (ele viveu 105 anos), e marcou posição como pessoa humilde e simples, de inteligência desprovida de prepotência.

Quando Niemeyer afirmava: “Eu não dou a menor importância a dinheiro. A vida é um sopro, um minuto. A gente nasce, morre”; “o importante é [...] a gente se abraçar, haver solidariedade, pensar num mundo melhor”, tinha a precisa medida do que realmente vale a pena e da ínfima estatura humana dentro da grandiosidade cósmica.

Ainda que se confessasse ateu, não referenciou a materialidade, mesmo a estética, forjada com a sua arte; em lugar disso, despojado de intenções de eternidade, referiu-se sempre à vida como valor maior, mas fugaz, e se pôs com admiração diante da vastidão do universo.

A sua visão, nas afirmações citadas, evidencia também a preocupação com o social, o seu desejo de superação das injustiças por um funcionamento político e econômico novo, que revolucionasse o vigente, alterando-o com regras de efeitos solidários.

Um ateu que, pensando no outro, não se sentiu existencialmente confortável e conformado com a realidade estabelecida. No artigo “O comunismo ético e humanitário de Oscar Niemeyer”2, de Leonardo Boff, escrito por ocasião da morte do arquiteto, o teólogo relembra o que lhe assegurou em uma conversa que tiveram sobre Deus: “o importante não é crer ou não crer em Deus.

Mas viver com ética, amor, solidariedade e compaixão pelos que mais sofrem. Pois, na tarde da vida, o que conta mesmo são tais coisas”. Em seguida, Boff conclui: “E nesse ponto ele estava muito bem colocado”.

Vi Niemeyer, já caminhando para os 100 anos, dizendo na televisão que ainda trabalhava, porque a família precisava dele. Não se poderia levá-lo a sério, se não entendido o que estava oculto niss a dignidade, pelo trabalho, de quem não dá a existência por encerrada por não ter mais o que criar.

É isto que quis dizer Leonardo Boff, referindo-se ao modo de viver de Niemeyer, ampliando-lhe a concepção da vida como “um sopro”, mas vivido com inteireza. Nesse sentido é que ele foi citado como exemplo do que o psicanalista Jorge Forbes desenvolveu no tema “Velhice pra que te quero”, no ótimo programa Café Filosófico da TV Cultura, exibido em 30 de junho de 2013.

Ele viveu produtiva e criativamente na mira do futuro; o homem, acima do arquiteto, construiu-se com e como singularidade até o fim.

Notas

1) Citações extraídas do site http://pt.wikiquote.org/wiki/Oscar_Niemeyer.

2) In: http://leonardoboff.wordpress.com/2012/12/07.

(*) Educadora, doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa

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