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“Biblioteca Verde”: leituras de Drummond na infância

Vania Resende
Publicado em 17/07/2025 às 19:23
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O primeiro contato com um livro se dá pelos sentidos, e o fascínio pelo objeto pode começar pela visão e pelo tato, tocados por aspectos como formato, tamanho, cores, desenhos, tipos de letras e de papel, imagem da capa; e título. A composição material de um livro comunica significados, entretanto, o contato físico não é tudo. A relação que gera sentidos se inicia muitas vezes pela atração imediata, sensorial, mas, se o leitor não se envolver de maneira completa, além dos aspectos gráfico visuais, e não mergulhar no tecido verbal, no estrato das significações, não terá realizado a leitura ampla do que compõe um livro, sobretudo de literatura.

A leitura virtual de um e-book é uma; a do livro físico é outra. Cada uma com suas particularidades. De ambas, o leitor tirará proveito, quanto a conhecimento, e terá prazer especialmente na leitura literária. Para tanto, precisa habitar a obra emocional e mentalmente. Começa pela sondagem do suporte e segue explorando todas as dimensões para processar os sentidos. Apenas passagem rápida pela materialidade e trânsito superficial pela camada verbal não proporcionam gosto verdadeiro e impactos internos que possam suscitar no leitor necessidade de ler mais de uma vez o mesmo livro.

A evolução do leitor não tem ponto final. No caso do leitor infantil, se tiver condições favoráveis, chegará ao desenvolvimento desejável do pensamento reflexivo e analítico, apto a abstrações e associações mais apuradas. Assim, atinge o domínio da comunicação complexa com a palavra, com diversos outros códigos e com a realidade. O poema “Biblioteca Verde”, de Carlos Drummond, leva a pensar sobre como livros amadurecem esse pensamento. O poeta era seduzido pelo objeto-livro – cheiro, textura, cor da capa; ilustrações do miolo, e também pela palavra que o lançava a outros mundos filosóficos e imaginários, de poemas, ficção, mitos.

Carlos, encantado com livros já na infância, embarcou na bela “Biblioteca Verde”. Ganha essa coleção a partir de diálogo convincente com o pai: “Meu filho, é livro demais para uma criança./ Compra assim mesmo, pai, eu cresço logo” (obra “Menino antigo”. 3. ed., 1978, p. 124). A família mineira vivia em Itabira, longe da cidade grande, de onde viria a tão sonhada Coleção. Os livros viajam de trem e seguem no burro de carga até chegarem às mãos do menino, que não se desgruda mais deles: devora-os, lendo até a noite, à luz de vela. Drummond transforma em poema a experiência com este “tamanho universo” (como ele define a “Biblioteca Verde”): “Mas leio, leio. Em filosofias/ tropeço e caio, cavalgo de novo/ meu verde livro, em cavalarias/ me perco, medievo; em contos, poemas/ me vejo viver. Como te devoro,/ verde pastagem [...]” (idem).

Lucas Deschain informa em uma matéria no site https://www.valinor.com.br/forum/topico/colecao-biblioteca-internacional-de-obras-celebres.120084/ que, em pesquisas sobre a “Biblioteca Verde”, obteve esta informação: “com 24 vols. de capa de tecido verde, 25x18cm, 12.288 pp. e ilustrada. Inspirada no modelo inglês da The international Library of Famous Literature, reúne textos variados (poesia, ficção, teatro, ensaio, história, etc.), mas diferente desta última, traz maior representação de autores de língua portuguesa”. E conclui sobre a coleção: “embora tenha sido um grande sucesso de vendas no Brasil, até 1990 fora ignorada pelos mais importantes estudos e histórias da literatura portuguesa e brasileira, tornando-se reconhecida do público brasileiro em 1990, quando se publicou nela poemas inéditos traduzidos por Fernando Pessoa”.

Do ensaio Efeitos de real e/ou escrita memorialista no poema Biblioteca Verde de Drummond (https://revista.uemg.br/scias/issue/view/401), da Profa. Ivane Laurete Perotti, extrai-se ainda este dado: “Coleção das Produções Literárias mais destacadas no mundo, com autores aclamados na antiguidade, na Idade Média e na modernidade [...] edição nacional em 1906, por Sociedade Internacional: Lisboa, Rio de Janeiro, São Paulo, Londres e Paris”.

 A “Biblioteca Verde” foi objeto de desejo do menino Drummond no interior mineiro, longe da cidade grande, que tinha livrarias para compra de livros novos. A criança, ávida por tê-los, realizou o desejo ao tomar posse da Coleção e usufruir plenamente do que a compunha. Os efeitos da leitura da “Biblioteca Verde” estão na palavra poderosa do escritor (poeta, contista, cronista) que o adulto se tornou. Efeitos para sempre, sugeridos nos versos finais do poema inspirado na coleção: “Tudo que sei é ela que me ensina./ O que saberei, o que não saberei/ nunca,/ está na Biblioteca em verde murmúrio/ de flauta-percalina eternamente” (obra “Menino antigo”, p. 125).

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