ARTICULISTAS

Dominicanas no Brasil: da França para Uberaba

Vânia Maria Resende
Publicado em 15/07/2024 às 17:28
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 Para Irmã Beatriz Manna

O livro “Primórdios das Dominicanas no Brasil Central”, lançado em Uberaba em 2022, registra, com documentos, imagens e depoimentos, a história das Irmãs Dominicanas no Brasil. No século XIX, elas assumiram a mesma condição do homem “guerreiro”, a ele delegada pela estrutura machista. Lançaram-se a ação concreta ousada no mundo e chegaram a espaços distantes e realidades desconhecidas, para missão humanitária. Enviadas da França para o Brasil por Madre Anastasie, viajaram 23 dias de navio, tendo aportado em 28/5/1885 no Rio e seguido, depois, de trem, para São Paulo e Ribeirão Preto; até Uberaba foram mais 8 dias de carro de boi.

Elas estabeleceram ponte entre continentes, dedicando-se à evolução e promoção humanas em solo brasileiro (e depois em outros países), nas áreas de Saúde, Educação, trabalho social, catequese. O alcance de sua atuação arrojada baliza o valor de gestões de modelo matriarcal. Com coragem, penetraram em realidade diversa à sua cultura, longe da segurança no espaço restrito da congregação. Interagiram e exerceram influência e mudança na sociedade. Abriram caminho para avanços técnico-profissionais – suporte para outros que viriam depois. Sempre inspiradas no princípio cristão de desprendimento, fé, dedicação, amor, compromisso ético.

Instalaram-se em Uberaba em 15/6/1885 na Santa Casa de Misericórdia, onde iniciaram assistência a enfermos e aulas no Colégio Nossa Senhora das Dores, que inauguraria prédio próprio em 30/12/1895. Fundaram a Escola de Enfermagem Frei Eugênio (1948-1980), que ofereceu formação universitária científica e humana a profissionais de várias cidades; o Hospital São Domingos, em 31/1/1960; a Faculdade de Filosofia (Fista), que funcionou entre 1948-1980. As Irmãs buscaram se qualificar também para o que desempenhavam, estudando em Uberaba, ou fora, até em outros países. Muitas gerações são gratas ao legado humanista das Dominicanas.

Cito, da área de Saúde, três profissionais que realizaram trabalho em Uberaba, representantes de outras tantas Dominicanas abnegadas: a psicóloga Ir. Olinda da Rocha Silva, a enfermeira Ir. Maria de Lourdes Macedo Beguelli (1931-2014) e a médica Ir. Nívea Padin (1923-2022). Minha admiração por essa Irmã, única mulher da sua turma de 70 formandos de Medicina, deve-se às referências ao seu trabalho missionário em Conceição do Araguaia (PA) e contribuições ao Hospital São Domingos em Uberaba. Ir. Beatriz Manna testemunhou o seguinte sobre ela: “Quem na Congregação já não recebeu de Irmã Nívea Padin um serviço, uma atenção, uma informação, [...] contribuições sobre saúde pública, medicina, biologia e puericultura, pastoral da saúde, dos enfermos, etiqueta hospitalar, doenças tropicais?...”.

Como primeira médica em Conceição do Araguaia, Ir. Nívea salvou vidas, curou pessoas, encaminhou doentes para São Paulo, e esteve à frente da criação do primeiro ambulatório e do Hospital São Lucas. Na cidade, teve função simultânea no Colégio dominicano Santa Rosa, inclusive como professora. Isau Coelho Luz dá a medida da importância dessa dominicana, na dedicatória que faz para ela no livro “Memórias Araguaianas – Entre becos, barrocas, areões e banzeiros” (Ed. Kelps, 2018): “Pela altivez, compadecimento e heroísmo, deixando familiares em São Paulo, naqueles idos de 1950, para vir a essas plagas araguaianas, então inóspitas e selvagens, curar os desassistidos ribeirinhos do Araguaia”.

O poder ancestral feminino de cuidado, luta e transformação ancorou as ações desbravadoras das Dominicanas. E sua sabedoria, típica da jovem velha e da velha jovem, rejuvenescida em qualquer idade, a cada desafio. Sua missão fraterna que impôs o aprender fazer fazendo, de modo assertivo, para atender necessidades e preencher lacunas. Sua vocação de abraçar causas sociais prementes. Por causa da experiência dominicana (em função de uma causa humanizadora, sempre necessária) e do valor do que elas têm transmitido, evoco esta passagem do livro “A ciranda das mulheres sábias: ser jovem enquanto velha, velha enquanto jovem”, de Clarissa Pínkola Estés:

 [...] por todos os seus costumes generosos e de preservação... por todo o seu supremo cuidado para que a decência, a vida criativa e o carinho pela alma não desapareçam da face da terra... por toda essa abençoada beleza que se encontra nelas... Por elas.../ peçamos em prece que a força/ e a cura caiam direto nos ossos/ da sua coragem para sempre (Ed. Rocco, p. 89-90).

 Vânia Maria Resende

Educadora; Doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa

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