Todo cidadão ético e responsável não concorda com corrupção, o que não significa compactuar com todos as estratégias de combate “a ferro e fogo”, na expressão do ministro do STF, Marco Aurélio. Quem não é ingênuo refuta eficácia de resultados que não garantam mudanças profundas, de ênfase civilizatória. Antes de ter tomado posse como Ministro, Sérgio Moro pronunciou sobre a defesa de mais presídios, vagas e penas mais duras. Não levou em conta os efeitos de Educação, Cultura, Arte, Esporte contra a criminalidade. A defesa da punição saneadora da limpeza social soma-se a medidas de rebaixamento da Educação, pelo Ministério da Educação, como a desvalorização de disciplinas como Sociologia e Filosofia, essenciais para a formação crítica e humanista de homem, cultura, nação. Arte, então, no contexto de insensibilidade pragmática, não tem serventia e é inconveniente pelo perigo de subverter, gerar mentes rebeldes na sua expressão singular. A inteligência é inimiga no atual cenário obtuso do Brasil.
Quando fazer justiça, impor segurança, buscar a regeneração moral, manter a ordem apresentam sintomas de uma cultura sob o signo de Tanatos, há vazão para sadismo, repressão violenta, terror, espetacularização de imagens degradantes, defesa de posse e porte de armas. Alertava o escritor Tolstói, em 1909: “como é possível que se fale da importância educadora do ‘direito’ quando suas decisões se executam pela violência, pelo desterro, pelo cárcere, pela pena de morte, quero dizer, pelos atos mais imorais?” (citado na obra Os modelos de juiz: ensaios de direito e literatura, 2015, p. 71).
O punitivismo não faz frente a problemas brasileiros complexos; tem fatura questionável, deseduca a sociedade, estimulando-a a ser má e se sentir feliz por isso. As práticas que o constituem atiçam prazer e gratificação face ao sofrimento alheio, ódio, desejos de vingança e outros perversos; e até provocam mortes, não só simbólicas. Como ocorreu no caso entristecedor e trágico do ex-reitor da UFSC, Caio Cancellier. Ele trabalhou e contribuiu vários anos dignamente na graduação e pós-graduação, na área do Direito, e foi tratado como bandido perigos preso, com algemas, colocado nu, humilhado, em desproposital e desrespeitosa ação judicial e da Polícia Federal. O relatório final da operação que o implicou não demonstrou a sua culpa. Liquidado emocional e moralmente, suicidou-se, tendo no bolso este bilhete: “A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!”. Esse episódio não foi denunciado na imprensa, pois parte dela e da justiça é adepta do punitivismo. Num sistema punitivista em que justiça pode incitar o clamor popular contra corrupção e se submete a ele para suas decisões, a segurança legalista perde terreno para a arbitrariedade, que fere a própria Justiça, os direitos, a vida.
No Brasil, penas cumpridas em presídios (a maioria é escola do mal) não são corretivas, para socializar os presos e reintegrá-los na sociedade. Para a sanha vingativa popular – que pode ser ingênua, oportunista, doentia, de implicação política –, todo castigo é pouco. A violência se naturaliza na conivência com abuso de autoridade, julgamento destruidor da imagem alheia, condenação midiática e de redes sociais, sem conhecimento do processo e comprovação da culpa. Ocorrem até linchamentos coletivos, segundo a antiga lei “olho por olho, dente por dente”: vinga-se da violência com a mesma violência. O punitivismo obscuro, inquisitorial, presente em momentos da História em que ocorre a espetacularização pública de dor, tortura, castigo e humilhação, é funcional à manutenção do poder sem limites. Em nome de “limpeza” moral, étnica, religiosa, política, etc., sistemas e instituições podem descambar para um jogo farisaico, sem ética, onde bodes expiatórios convêm, pois sobre eles se lançam culpa e sujeira de todos, até dos que os condenam.
(*) Educadora, doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa