ARTICULISTAS

No pronto-socorro, à espera de atendimento

Vânia Maria Resende
Publicado em 17/09/2025 às 18:38
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Nem sempre o sol que ilumina lá fora penetra em todos os lugares, para clarear e fazer ver nitidamente o que se passa dentro, onde tem muito para ser visto tanto de belo, alegre, louvável, como de feio, triste, reprovável. Em qualquer lugar, inclusive em pronto-socorro de um hospital particular. É só botar reparo. Foi o que fiz, à espera de atendimento, por causa de um problema alérgico. Distraio-me com cenas curiosas, comoventes, solidárias. Vê-las é uma forma de lenitivo. Elas fazem esquecer o desconforto particular, pois a atenção se concentra no outro, no seu sofrimento, sufoco, sua fragilidade.

Vou observando fatos e pessoas. Uma jovem mãe graciosa e o seu bebê de alguns meses. Ele é apaixonante, vestindo um ingênuo macacão curto; bico na boca; mãozinha grudada no corpo da mãe. Mesmo a mãe falando ao celular, passando informação que parece ser urgente, numa longa orientação ao interlocutor, não perde o vínculo com o filho; afaga-o, levanta-se e vai lavar o bico que cai. Com gestos de proteção, ela o deixa tranquilo.

Dois homens entre 60 e 70 anos: o mais novo acompanha o outro, entra com ele nos locais de medicamento, exame. Solícito, ele o conduz e o apoia com toque gentil no seu ombro. Outra mãe, não tão jovem quanto à do bebê, empurra uma cadeira de roda, levando a filha adolescente, quase desfalecida e com olhos cansados, para socorro. Um casal de idosos entra na sala de medicamentos; a esposa, sempre ao lado do marido, sai, anda daqui pra lá e volta; vão de um setor a outro, de acordo com o que são orientados. Uma filha, com o pai velho, inquieta, busca água para ele toda hora, conversa com os funcionários; parece vigilante, informando-se ou esclarecendo-se sobre os procedimentos envolvendo o pai.

Pessoas assentadas ao longo de um comprido corredor esperam atendimento e funcionários transitam sem parar, operando em diferentes tarefas. No final desse corredor, tem um espaço com uma sala-enfermaria, e ao lado uma área de suporte para os enfermeiros, que saem daí com soro, remédio, cadeira de roda, biombo hospitalar. É nesse espaço movimentado que funciona o consultório 5, isolado dos outros, de 1 a 4, um junto ao outro.

Fui chamada para ser atendida justamente no consultório 5. Entro e fico surpresa com a sala minúscula, sem cara de consultório. Para amainar o impacto que tive, supus que seria um tipo de improvisação, provisória. Para aproveitamento de espaço, a porta não abre para dentro, nem para fora; corre para o lado. Ali dentro, oprimido, o médico se vira apenas com a sua mesa pequena e cadeira, computador, poucos apetrechos para exames de praxe. Nesse cubículo se apertam ainda a cadeira do paciente, uma cama estreita e, quase encostada nela, uma pilastra inútil, que vai do chão ao teto.

Quando se pensa em medicina, não há dúvida de que a urgência é socorrer, curar, salvar vidas, pondo à prova técnica e humanamente a competência do médico para lidar com adversidades. Na emergência, ele se adapta para atender, não importa onde: no chão, em cima de mesa, numa cabana improvisada, no fundo de um barco, dentro da ambulância, em condição extrema como de guerra, epidemia, acidente, parto inesperado, etc. Dentro de um hospital bem estruturado não justifica este consultório nº 5.

Para não dizer o nome do médico que me atendeu, dei a ele o nome de Conluz, pois ele precisa de luz própria para suprir a do ambiente. Trabalhar confinado num mínimo espaço – quantas horas de plantão: 8, 12, 24? – não é compatível ou coerente com um trabalho na área da saúde. Peguei da sua mão a receita e orientações para me curar, e, numa contradição, ele continuaria por horas na situação presumivelmente nada saudável em termos físicos, emocionais e mentais. Já se passaram uns três meses e continuo impressionada com este discrepante cubículo e o confinamento a que são submetidos os plantonistas. Questiono a condição dos profissionais, nem menciono o paciente, já que, depois de uns minutos de consulta, ele volta para o sol e o ar lá fora, e vai se cuidar, mas o médico fica fechado.  

Não sei por que médicos se submetem a essas condições críticas: se por amor à medicina e ao que fazem, ou por necessidade de sobreviver. Que da experiência com limitações indesejáveis assim fique um sentido mais profundo de humanização pessoal e com relação a quem eles atendem! Só a determinação de cuidar, curar, aliviar a dor, salvar vidas, a qualquer custo, seja em que condição for, justifica trabalharem em situação tão constrangida. Quanto ao hospital, que pense na saúde de seus plantonistas!

 Vânia Maria Resende

Educadora, doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa

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