Passei pelo portão de entrada da escola e me deparei com uma moça em atitude acolhedora e solícita. Assume ali a condição de porteira ou recepcionista. Sua mesa fica ao lado da janela da secretaria escolar. Assim que me respondeu qual era a sua função, eu lhe expus meu interesse na informação sobre um dado da escola. Antes de dar sequência ao atendimento à minha solicitação, ela disse que sabia quem eu era. Lembrava-se de mim do período em que trabalhou em outra escola; e se dirigiu à secretária, contando-lhe, com entusiasmo, que me conheceu quando ouviu uma palestra que fiz nesse local.
Na sequência do nosso contato, o entusiasmo – agora, da minha parte – cresceu, quando ela disse que lhe fizera muito bem a palestra. Diante do comentário positivo, eu lhe agradeci com um abraço apertado. O nome dessa moça é Doralice. Ela elevou o meu ânimo e me surpreendeu com uma revelação, que me fez entender que ela guardara o sentido do que expus, vários anos atrás, sobre o valor da literatura, da leitura e da poesia. Ela também me fez pensar sobre a repercussão das palavras sobre o outro e como o que a gente fala pode afetá-lo para o bem ou para o mal.
Na nossa breve conversa, sentimo-nos velhas conhecidas. Ela me emocionou ao me acompanhar até a saída e me perguntou se eu faria uma palestra para os estudantes do EJA (Educação de Jovens e Adultos). Disse que isso poderia ajudar os estudantes, despertando-lhes maior interesse pela vida e para a beleza da arte e da palavra. Sei que ela me abordou na minha condição de educadora, já que não exerço função de coach. Seu objetivo é que a população estudantil que trabalha durante o dia e vai para a escola à noite, já cansada, tenha oportunidade de ser tocada por uma palestra. Como aconteceu com ela um dia.
Quando nos despedimos, levei comigo a sua vibração, seu nível de preocupação social e compromisso humano desinteressado. Fui embora impregnada do contágio com essa pessoa generosa, de coração amoroso. Constatei isso pelo seu interesse em promover algo que considera de importância para os estudantes do local onde ela trabalha. Ah, se todos os porteiros e porteiras de escolas e de outros locais fossem como a Doralice!...
Continua repercutindo em mim a atitude espontânea da Doralice, que tem nato o espírito de educadora. Daí ela ser comprometida com a Educação, mesmo não tendo formação profissional para assumir uma sala de aula. Com certeza, ela não teve oportunidade de se especializar em alguma área de conhecimento específico. O que é uma pena.
Torço para que seja acatada a sua sugestão de uma palestra, caso proponha ao diretor, que me convide. Ficarei lisonjeada e realizada se receber um convite por causa dela. Por ter ficado encantada com essa figura sensível, antenada, de mente aberta, interessada pelas pessoas, atenderei com muito prazer ao seu desejo de contribuir humanamente com a Educação.
Pelo seu empenho em promover, para estudantes do EJA, o que foi bom para ela, inverto os papéis: adianto-me e me ofereço para fazer a palestra na escola onde ela é porteira. Nenhum cachê, nenhuma formalidade na formulação do convite. Basta o responsável administrativo ou pedagógico tomar a iniciativa do contato ou autorizá-la a fazê-lo. Por Doralice, falarei sem cansaço, cúmplice na esperança que a move em função de questões essenciais, e na minha fala a terei como o melhor exemplo.
Talvez eu possa atender à sua expectativa e contribuir para o entendimento de que, quanto mais vemos com lucidez a realidade, mais se torna imprescindível o sonho. Sem sonho, nem a vida nem a educação têm sentido. Sem esperança, não há como educar. Por Doralice, eu aceito um convite para a palestra e espero ser convidada em breve.
Vânia Maria Resende
Educadora, doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa
