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Uma árvore: como um sonho

Vânia Maria Resende
Publicado em 17/12/2024 às 18:17
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Um dia, esperando, na porta de uma casa, para ser atendida, vi algo inusitado. Era por volta de 17 horas. Ouvi um galo cantar, seguido por outro e mais outros. Percebi que estavam bem próximos. Olhei para os lados, para cima, e os descobri na árvore na parte interna da casa, geralmente reservada a um jardim. Esta árvore, carregada de galos, não de flores ou frutas, tinha um encanto e, de alguma forma, certo humor.

Entre galos esbeltos e três ou quatro franguinhas e franguinhos, eram dez ou doze; a maioria empoleirada e uns andando pelo chão. Passeei o olhar pelas suas penas brilhantes, cada um com suas cores mescladas, não repetidas. Mistura de preto, laranja avermelhado, bege. Azul-marinho e laranja cor de fogo. Cinza e amarelo suave. Caramelo-claro com laranja e preto. Azul-esverdeado e caramelo quase marrom... Uma beleza visual; já não bastasse a beleza do canto fazendo o dia ser noite a qualquer hora, ou o amanhecer em plena luz do sol. Cantam também na madrugada, e outros galos respondem longe, disse a dona da casa.

Se visse a imagem dessa árvore em desenho ou pintura, não seria tão surpreendente, uma vez que faltaria movimento a ela e às aves enquadradas pela moldura e limite do espaço. Ao vivo, pude observar as peculiaridades: a árvore não tão grande, viçosa, com muitas folhas agitadas com o vento, e o principal, o fato de ter sido escolhida como morada dos galos e frangos irreverentes. Eles deixaram o galinheiro, caminharam pelo telhado e voaram para os galhos, onde passam o dia, dormem e acordam, e cantam quando bem entendem.

Tem árvores admiráveis imaginadas pela arte, com perfil poético, engraçado, bizarro, surreal, cômico. Carregadas de leitores, lendo, pendurados nos galhos. Árvore-livro de diversos tipos. Árvore com floresta dentro, animais, flores e frutas exóticas. Luminosa e cheia de estrela ou lâmpada. Transbordante de letras, borboleta, bexiga, óculos, espelho, coração. Em alguns sites, se vê uma variedade delas; fascinantes, como do depositphotos.com/br/, stock.adobe.com/BR, e da coleção de árvore-livro no br.freepik.com/fotos-vetores-gratis//arvores-livros.

Em livros, sobretudo nos infantis graficamente primorosos, tem árvores inventadas, que enchem as páginas e os olhos do leitor de magia. Como as desenhadas pelos artistas Fernando Vilela, para “A árvore de Tamoromu”; Ciça Fittipaldi, para “A árvore cheia de estrelas”; Gustavo Caboco (artista indígena, do povo Wapichana), para a “Mari hi – a árvore dos sonhos: um mito yanomami para crianças”, e outras. Nesse livro, a autora Limulja Hanna explora o significado mitológico da árvore para os Yanomami, de cuja cultura o sonho noturno faz parte como substância vital, guia de vida.

Cada árvore e sua estética, com definição de um perfil especial, artístico, antropológico ou real. A árvore que vi se distingue pelo aspecto inédito de ser povoada por um grupo de galos feitos e frangotes/as de personalidade marcante. Eles seguiram destino livre, em busca de sossego e do prazer do frescor entre folhas, na altura. E vivem em harmonia cotidiana com uma mulher simples e despojada, que não os cria para matar e comer; não os submete à condição de objeto útil, para alimento ou reprodução lucrativa. Moram onde querem, sem ameaça, e aí morrerão velhos, reinando tranquilos e despertando a cidade a qualquer hora, do dia e da noite.

A árvore de galos revela um sentido de Natal, anuncia promessa de vida que se recria. O canto de um galo sozinho já ecoa no mundo; imagine o que pode uma orquestra de galos! É um pasmo, uma graça, um poder! É isto que nos fazem sentir os galos da árvore (e os galos do poema “Tecendo a manhã”, de João Cabral de Melo Neto). Gato, cachorro, burro e galo, da história infantil “Os músicos de Bremen”, saíram pelo mundo e, pela música, fizeram a sua revolução. Os galos e franguinhos/as também fizeram a sua. Abandonaram ambiente sujo, de fundo de quintal, escolheram outro ambiente para viver, na frente da casa, e se mostraram imbatíveis com a liberdade de ser quem são e o poder de cantar em grupo.

 Vânia Maria Resende

Educadora, Doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa

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