Singular Jorge Alberto Nabut. Laborioso escritor, poeta, pesquisador, inaugurador de espaços culturais e curadorias. Criador de formas: concordam os estudiosos de sua obra. Engenhosamente, ele teceu, fiou, urdiu, tramou, no seu longo, incansável, ininterrupto trabalho artístico e cultural. Produziu, realizou, inventou. Deixa da vida, de construção lapidar, caminhos ponteados com arte e palavras. Agora, fica acesa a chama do espírito e seu corpo descansa. Com o fio de Ariadne, que conduziu Teseu para fora do labirinto e o salvou do Minotauro, tecemos uma rede para Jorge.
Uma rede para o seu sono sem pesadelos. Textos, música, imagens, montagens audiovisuais desenrolam uma teia de tributos ao amigo e poeta, pontuando valor do seu legado, reconhecimento, afetos, saudade. Beth Dorça se interroga: “em que raio de sol se escondeu o seu sorriso, em que raio de luar se escondeu o poeta? Com certeza se escondeu nos inúmeros versos tão bem escritos”. Guido Bilharinho dimensiona: “A palavra do poeta. A palavra da poesia. Nela se contém o universo. Da beleza. Útil porque bela. Bela porque inútil para tudo o mais que não seja produzir beleza”.
Lídia Prata se refere à “sua inquietude e vontade de ‘abrir as cabeças’ dos uberabenses para o novo, o belo, o inspirador”. Geraldo Djalma confessa: “Queria que ele soubesse da minha imensa admiração pelo seu trabalho e o quanto ele me inspirava”. Paulo Fernando Silveira avalia que “levará anos para que surja alguém de envergadura semelhante, mas certamente não superior à dele”. Hélio Siqueira traduz o lugar único que ele ocupou: “Morre um idealista teimoso, mas absolutamente consciente das suas teimosias sempre a favor da cultura e da arte de Uberaba. [...] quem como Jorge Alberto, de agora em diante, lutará pela cultura da cidade?”.
André Borges Lopes registra a diversidade criativa do escritor: “Contou casos de mascates, de imigrantes, de boiadeiros, de lanterninhas de cinema, bordadeiras e de jogadores de futebol. Essa obra múltipla se esparrama, como um caleidoscópio, nos vários livros que Jorge publicou ao longo da vida”. Olésia Borges vislumbra seu brilho infinito: “Ele partiu... Jorge Alberto Nabut é hoje uma saudade. Não está mais entre nós, foi brilhar no alto”. Zemaria Madureira poetiza: “a cidade amanhece down,/ deverasmente triste./ Ontem, Jorge jazz,/ hoje, Jorge jaz!/ Encantou-se em mais uma estrela”.
A voz do Jorge na nossa voz; a nossa voz nos versos do Jorge. Nós atados em vínculos e amarrações de sentidos. Os significados sonoros de seus textos falam por ele. Só possível, agora em diante, reencontrar o poeta nas páginas dos seus livros. Vê-lo em “O círculo dos bastidores” fruir a beleza da poesia que abarca tudo: versos, a máquina de costura, a tesoura, os riscos e os bordados da sua mãe, Mariana. Ele está nas imagens que escolheu para “O Livro de Elias...”: as cadeiras de palhinha, as latas de sardinha, a balança e o prendedor de papel da venda do pai... Nesse livro-poema, veremos, pelos seus olhos, a jabuticabeira coberta de branca floração, exalando o cheiro forte que vai além do quintal.
Pela palavra, Jorge nos guia pelos chapadões, pelo Desemboque, pelo “Corredor dos Boiadeiros”. Nas obras reunidas em “Geografia da Palavra” seguimos seus passos ousados. Em “Advérbio de Lugar”, publicado em dezembro de 2023, transitamos com o poeta por planos amplos, imemoriais, imagens etéreas e símbolos do sagrado. No poema “Aleph”, o princípio inscrito na letra hebraica se institui no espaço poético de brincar e descerra também o inesperado: “o lugar de estar se desnorteia/ na inquietante ampulheta/ agora em rotura/ o tempo a tontura/ a intacta sepultura”.
No princípio era o Verbo, palavra inaugural que dá vida ao novo na escritura criativa. Palavras mantêm acesa a luz própria de Jorge, agora fora de limite de temporalidade e duração. Palavras clareiam a saída do labirinto: apontam o rumo – a criação prenhe de virtualidade e revelações. Elas salvam da boca do monstro Minotauro: da morte e da vida que não basta.
Nossas vozes dão voz ao poeta, recitam e reescrevem a sua palavra. O fio que funde autor e sua obra, e o leitor a eles, é restaurador. Faz ligações, costura, vivifica. Ponto a ponto, as linhas reescrevem textos, alinhavam memórias, ampliam significações; tornam Jorge presente. Guimarães Rosa sabia que “as pessoas não morrem, ficam encantadas”. O fio mágico que libertou Teseu faz a tecedura mitológica da rede onde Jorge dorme. Seus versos permanecem acordados, em vigília.
“círculos deixam de ser bastidores, que rompem as
presilhas metálicas para serem ciclos de vida
e nada será o mesmo nova(mente)
até que as inumeráveis valsas de esquina reescrevam
o infinitivo de todas essas coisas bordadas que
significam viver”
(Jorge Alberto Nabut/ O Círculo dos Bastidores)
Vânia Maria Resende
Educadora, doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa