Quando me tornei leitora e compradora de livro independentes, colocava na fila, em uma lista, títulos e escritores que eu queria adquirir, e o faço ainda hoje. Passei a comprar livros por todo meio possível. Fazendo especialização na PUC-MG, comprava do Sr. Veloso, que expunha grandes autores na sua banquinha nada sofisticada, e aceitava cheque pré-datado. Estando na capital mineira, dava para frequentar a Livraria Acadêmica, na rua da Bahia; ela supriu gerações com livros teóricos da área de literatura.
Em Uberaba, em décadas passadas, tivemos poucas, mas boas livrarias, que atendiam, inclusive, o público universitário. Guardo a imagem da Livraria Católica, onde agora é o Elvira Shopping, na praça Rui Barbosa. Numa entrada estreita, descia-se por uns degraus, se a minha memória não me trai. Também, era comum vendedor de livros ambulante levá-los para mostrar ao cliente na sua residência. Assim, adquiri, tanto de José Alberto quanto de Cássio, as tradicionais edições em papel Bíblia da Editora José Aguilar. A cada compra, os amáveis vendedores me presenteavam até com obras luxuosas, como uma Bíblia grande, com farta ilustração a cores, que se mantém novinha, depois de décadas.
Outra forma viável de aquisição de livros, para quem vivia no interior, era a compra pelos Correios. Livros encomendados nos chegavam viajando pelas estradas do país. O Círculo do Livro foi grande canal, que contribuiu para que tivéssemos acesso a novidades recém-lançadas, livros bonitos, de capa dura. Assim, pude ter, entre os anos 70-80, obras de Ziraldo – “Flicts”/1969, “O planeta Lilás”/1970, “O pipoqueiro da esquina”/1981, em parceria com Drummond –; Mário Quintana, Ferreira Gullar, obra completa de Olavo Bilac.
Em sebos, a busca de livros tem resultados inesperados. Neles descobrimos raridades e o que não se esperava; e quando isso ocorre o leitor se sente realizado. Pude explorar os vários que a região da Praça da Sé sediava em São Paulo. Sebos ainda existem, e até funcionam, hoje, online. Uma infinidade deles, localizada em muitos pontos geográficos do Brasil, agrega-se à famosa Estante Virtual. Mas nada se compara a ter contato com livros em livraria e sebo físicos: passear por prateleiras cheias, às vezes procurar entre livros amontoados, como em sebo, ou expostos de maneira criativa, atraente; folhear, ler um pouquinho e escolher...
Como a Estante Virtual envia o livro pelos Correios, continua a experiência, como a de outros tempos, da espera ávida pela entrega; na ânsia de se ver logo o objeto, a embalagem é rasgada às pressas. É curioso observar dedicatórias em certos livros que compramos em sebo. Selecionei três para comentar. Na primeira, o autor escreve em um livro seu, em 2003: “Ao Francisco [...], em homenagem ao sugestivo, forte, lírico e denso ‘Livro dos poemas’ este ‘A dança das descobertas’, com abraços do amigo Elias”. Eu não conhecia o “Livro dos poemas”, o imaginei como O livro das horas ou O livro de horas, tipo que eu sabia que existia; “Livro das perguntas”, de Pablo Neruda, traduzido por Ferreira Gullar, ou “Um livro de horas”, de Emily Dickinson, com seleção, tradução, ilustração da brasileira Angela Lago.
Minha curiosidade me fez comprar o “Livro dos poemas”, que veio também com dedicatória, e os mais de 400 poemas de Língua Portuguesa – uma reunião de cinco livros publicados anteriormente. José, Regina e Juliano (uma família ou três amigos?) oferecem para Patrick, em 2014. Após uma citação em alemão, escrevem: “esperamos que a magia desses versos um tanto esquecidos te inspirem e impulsionem a construir seus sonhos”.
Dedicatória enigmática li no livro infantil “Ou isto ou aquilo”, de Cecília Meireles; feita em 20/4/74, no Rio. Um homem o dedica a uma mulher cujo nome ele não cita. Sua assinatura também é camuflada; legível só o segundo nome, Afonso. Em tom penitente ambíguo e meio insinuante, diz: “Com este livro, procuro lhe devolver a paz que lhe roubei. Há 14 meses ela tem sido roubada, desculpe-me!! E agora tento devolvê-la, com meu sumiço, com este livro e fitas!”. Revela algo do caráter da mulher da qual ele sumiu: “Livro este, tão criança quanto você!! Eu adoro este seu jeitinho de criança espantada diante do mundo!!”. Deixa dúvida final, entre declaração de amor, amizade ou de reconquista: “Gosto muito de você, ‘rolinha azul’!!”.
Uma dedicatória cheia de exclamações, que exprimem admiração artificial, apenas retórica, ou retratam a investida do conquistador que volta, numa página de livro, tentando aliciar o objeto da sua reconquista? Histórias que se acrescentam às da imaginação da obra literária... Pelas dedicatórias, conheci um pouquinho do destino de três livros: partem de quem os oferta em direção ao destinatário, daqui vão parar em um sebo e depois em minhas mãos. Percurso que revela algo do próprio destino de seus ex-proprietários.
Vânia Maria Resende
Educadora, doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa