Sempre me lembro das pescarias com o Amaral. Quantas coisas tenho delas para contar. Sempre estávamos juntos; Amaral, *Richarde e eu. Enquanto o Amaral seguia com a canoa para onde pescávamos, Richarde e eu, sem roupa, nadávamos rio abaixo até o pesqueiro. Analisando hoje, nadar sem roupa, estávamos nos expondo a sério perigo físico. Tivemos sorte. Sempre almoçávamos na casa do senhor José Faustino, morador às margens do rio Grande, que se punha a fazer os almoços encomendados, como já dissemos em outras narrações dessas pescarias. Como diversos pescadores faziam o mesmo, por vezes na pequena sala da casa do senhor José Faustino, a gente quase podia se mexer. Naquele dia, somente nós três almoçávamos lá. Era a casa daquele senhor, um zoológico às margens do rio. Gato, pintinhos, cachorro magrelo, pequenos leitões perambulavam por debaixo das mesas catando as migalhas que caiam. Numa gaiola de um só pauzinho, um papagaio irritante, a todo instante gritava estridente chamando por Zenaide, nome da esposa do Zé Faustino, segundo ele. A fumaça do fogão a lenha invadia a pequena sala sem janela, nos fazendo arder os olhos. Um verdadeiro horror, a casa do Zé Faustino. Sobre a mesa, nenhum pano. Como a fome era desesperada, todos comiam com a colher e bem cheia. Também, nunca vi um garfo sobre a mesa. Faca, também não. Tudo era rasgado nos dentes ou cortado com o canivete que comumente os pescadores carregam. Como sempre, a comida do Zé era sem qualificação. Ele era o cozinheiro. Dona Zenaide conforme nos falava, pouco ficava por lá. Por vezes, tudo demais salgado, por outras, faltando sal. Também colocava muito limão em tudo, ficando um azedume danado. Morava sozinho naquela casa. Em um almoço, as Coxinhas dos Franguinhos mesmo pequenas e magrinhas, estavam uma delícia. “O Zé está matando os franguinhos ainda muito pequenos, o Richarde comentou.” Tudo era dividido entre nós. Enquanto acertávamos aquele almoço melhor um pouco em razão das coxinhas, o Richarde se dirigiu para o “pipi”, atrás do imundo chiqueiro do Zé. De lá, nos parecendo pasmado, aos gritos nos chamava. O que será que deve estar acontecendo com o Richarde? Como o vimos de pé, nos tranquilizamos. Mas continuava nos gritando. Queria nos mostrar um mundo de penas das coxinhas gostosas: “Corujas Sacrificadas.” Foram muitas. O Zé Faustino lá por perto, entendeu as nossas gargalhadas. O Amaral e Richarde riram duplamente pelas coxinhas e pela minha cara de nojo. Mas, continuávamos almoçando no Zé Faustino, com a recomendaçã Nada de Coxinhas de Franguinhos, senhor Zé. —“Tudo bem moçada, como oceis quiser, respondia.” Um verdadeiro cara de pau, o senhor Zé Faustino—mas, um coitado, sempre quieto, descalço, com roupa muito suja. Tempo depois, ao voltarmos para encomendar-lhe três almoços. A casa estava fechada. Assim continuou por outras vezes. Tivemos por alguns pescadores que também encomendavam suas refeições, noticia do falecimento daquele sozinho morador às margens do rio Grande. 60 anos se passaram. Dias atrás, estive lá. Tudo está diferente. Chorei de saudade dos meus vinte e poucos anos, daquelas pescarias e do grande amigo Amaral que Deus o levou. Foi um grande sujeito. Merece a minha oração.
*Richarde (com E )