Uma afirmação de Lord Aton é conhecida e muito badalada: “Todo poder oprime, o poder absoluto oprime absolutamente”. Há uma diferença entre poder e autoridade, embora na prática, muita gente confunda as duas coisas. A autoridade é compreensiva, amiga, terna, respeitosa, aberta para o diálogo. O poder absoluto é orgulhoso, perseguidor, cruel, grosseiro, opressivo, deixa-se corromper com facilidade. Espero que meu leitor perceba a diferença.
Eu tinha apenas uns 6 ou 7 anos. Minha mãe viera da “roça” para ficar ao lado de minha tia que iria dar à luz. Viera para ajudá-la. Para servir. A casa era na rua Martim Francisco. Até hoje ainda está lá. Dobrando a esquina, na praça, havia um cinema, o Cine Royal. Foi ali que tive o primeiro encontro com o “poder”. Muito caipira, de botinas mateiras e calças de suspensórios de pano, estava no saguão do cinema, encantado, olhando os cartazes dos filmes. De repente alguém me pegou pelo braço, atirou-me no meio da rua, berrand “Sai daí, ‘seo’ moleque, não vê que está atrapaiando os otro?” O autor da estupidez era um policial atarracado, truculento, de polainas de couro, banguela, de mãos grossas e peludas. Parecia um monstro saído dos báratros infernais. Estatelado no cascalho, com as mãos e os joelhos sangrando, fugi espavorido. A partir daquele dia, não apenas o poder repressor me assusta como qualquer outro tipo de poder, seja político, econômico ou religioso. Aquele primeiro encontro criou raízes no meu inconsciente. Uma cicatriz. Para sempre. Jamais consegui superar essa idiossincrasia. Estatelado no meio da rua, chorando, descobri que o poder transforma as pessoas. Pessoas educadas, tranquilas, amigas, de repente, por merecimento ou proteção, chegam ao poder. O que acontece é que se transformam. A mansidão se reveste de arrogância. Tornam-se “pessoas sérias”. Perdem o sentido da compreensão, da amizade, do diálogo, da ternura. Passam a olhar seus subordinados de cima para baixo. “Eu posso, eu quero, eu mando, eu autorizo.” Essas expressões entram dentro de suas cabeças e os desumanizam. Criam ao redor de si um grupo de áulicos que lhes fornecem as informações necessárias para que a obediência dos súditos seja controlada. Como dizia Mussolini: “Il Duce a sempre raggione” (O Chefe tem sempre razão).
O poder absoluto se instala em todas as áreas, na família, no colégio, na política, nos tribunais, na economia, na propaganda e até mesmo na religião. É polivalente.
É claro que há muitas exceções. Todos nós conhecemos pessoas que têm poder e não se deixam dominar pelas facilidades que se oferecem. Ajudam, aconselham, criam laços, respeitam os subordinados. Não mandam, dialogam.
Falando nas “facilidades” que o poder proporciona, penso no Brasil. O poder corrompeu todas as áreas. O poder político está podre. Exala mau cheiro. Câmara, Senado, Judiciário. Uma cachoeira de corrupção.
A decadência é universal. A própria Cúria Romana, com tristeza nossa, cada vez mais, fecha as janelas que João XXIII tentou abrir. Serve-se do poder para condenar grandes teólogos, para proibi-los de ensinar. Seu prazer é criar leis às vezes absurdas e exigir seu cumprimento em nome de Deus. As janelas vão se fechando, o retrocesso é visível. Para onde vamos?
(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro