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Azul e Branco

Manoel Therezo
Publicado em 22/03/2014 às 10:29Atualizado em 19/12/2022 às 08:31
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O que nos foi uma AZUL e BRANCO. Dentro do meu coração, é uma saudade. Dentro da represa de Nova Ponte, uma casa flutuante sobre muitos tambores de plástico vazios. Toda em estrutura metálica soldada, pintada nas cores de AZUL e BRANCO, assim ficou o seu nome. Tinha alpendre, cozinha, quarto, banheiro, duas sacadas que ajudavam no seu equilíbrio. A iluminação vinha de uma bateria comum. Numa instalação de acende aqui e apaga lá, tornava a nossa AZUL e BRANCO muito confortável. Era fechada por três fortes grades de ferro, revestidas internamente por uma lona resistente. Quando suspensas, aquelas grades eram três toldos; um para frente e os dois outros, um para cada lado. Ficava amarrada por oito cabos de aço conforme nos ditava a experiência de outros. Com a canoa chegávamos a ela. Por quatro anos ficou esperando por nós. Nela, dormimos muitas noites.

Quem assistir de uma flutuante como assistimos da nossa AZUL e BRANCO, madrugadas se clareando ante um sol que se arregala para iluminar um novo dia, assistirá a momentos inesquecíveis. Aquela escuridão que se finda, aos poucos nos vai deixando vislumbrar um paraíso sereno, transbordante de paz e belezas que o mundo da cidade não tem. Garças pernaltas de penas rosadas e outras de alvas penas, de longe donde dormiam, aos bandos vinham para perto de nós — para bem perto da flutuante. Ali, sobre troncos não submersos, ficavam àquelas belezas nos olhando e famintas a nos pedir a piar, algo para o seu desjejum. São curiosas. De quando em vez, esticavam para cima o longo pescoço, para verem melhor por certo, o que estávamos fazendo. Algumas permaneciam sobre uma só perna e a outra, tão encolhida, que nos parecia até não existir.

Sabem que onde estamos, está o que procuram para comer. Quando não, quantas do alto, assistimos ao mergulhar certeiro e elegante, trazendo no bico um peixinho distraído. Jamais assistimos a uma garça voltar vencida de seu mergulho. Também, pássaros de lindas plumagens, nos faziam pensar quem coloriu aquelas penas com tamanho sentido artístico? Os dias amanhecem cheios de barulhos e do gostoso cheiro de café passado em vasilhas improvisadas no comum dos pescadores. Lá doutra flutuante, um radiozinho se esgoela no máximo de seu volume, canções sertanejas. Por vezes, comum por sinal, um alguém dispersamente cantarola junto sem beleza, mas expressa uma desconcentração alegre e feliz. Quanta beleza ficou na minha lembrança. Quem assiste ali o dia amanhecer, aquelas garças piando, aquela sinfonia dos pipilantes, o coaxar da saparia, aqueles vaga-lumes piscando à noite inteira, guarda uma saudade sem palavras.

Enquanto eu abria os portões, meu irmão cantarolando coava o nosso café. Seu último café naquela AZUL e BRANCO. Um café que não me esqueço, uma saudade que me faz chorar. Subitamente faleceu aquele irmão. Aquela flutuante foi vendida pelo valor das tintas. Com o coração ferido e magoado, sozinho fechei os seus portões entregando as chaves ao seu novo dono. Despedi-me daquela AZUL e BRANCO sem nada lhe dizer. Não sabe até hoje, por que aqueles dois irmãos não mais voltaram. Ah!...Se ela soubesse e tivesse um coração, por certo choraria também. Que Deus não se esqueça do quanto fomos irmãos amigos, e que nos retorne juntos para de novo construirmos outra AZUL e BRANCO.

 

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