ARTICULISTAS

Bastou uma buzina

Alguns se depilam, outros não. Pintam-se

Gilberto Caixeta
gilcaixeta@terra.com.br
Publicado em 31/07/2012 às 20:17Atualizado em 19/12/2022 às 18:14
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Alguns se depilam, outros não. Pintam-se, arrancam pelos das sobrancelhas, das nádegas, das axilas. Preparam-se para mais um dia de guerra, com armas de grosso calibre, umas modernas outras antigas. Sairão para mais um dia de duelo. Suas armas são novas ou antigas, potentes ou obsoletas, conquanto mortais.  Naquele dia, bastou a ele um simples gesto, quase nada, que, no entanto, o sacrificou. Os pintados, depilados, peludos, tingidos e as suas armas de guerra. São jovens e anciãs. Esses são os piores na arena do ir e vir, mas há outros. Antes de saírem, alguns bebem, cheiram, fumam, enquanto outros, embora sóbrios, são raivosos, nojentos e afins. É como se o sistema exigisse a violência como norma de deslocamento. Os desarvorados predominam, e quem não é, poderá ficar. Não imaginou que o seu dia terminaria num leito hospitalar. Após o trabalho, encontrou-se com a namorada. Antes passou em casa, correu ao banho e saiu se arrumando para vê-la. Ela, o que há de melhor em seus sonhos reais, o esperava, com a ansiedade que marca aqueles que se apaixonam. Saíram. A selva estava povoada e ele era mais um entre aqueles que a compõem cotidianamente. São homens e mulheres besuntados de cremes, perfumados com lavandas, perfumes, desodorantes, enfiados em roupas agarradas ao corpo, largas, largadas. São roupas de todas as cores, camisas e blusas, vestidos e saias, sapatos e sandálias a decorá-los. Lá vão eles e elas, rasgando a cidade com as suas barbeiragens, com as pressas e atrasos, ansiedades e agonia diária que caracterizam os que estão ao volante. São carros e motos, ônibus, bicicletas e carroças com as suas cargas. São veículos transportando água, gás, tijolo, terra, cocaína, cachorro, arma, dinheiro, prostitutas, candidatos, religiosos, carne, pão... Uma infinidade de coisas, numa demonstração da vastidão que é a criação e a ignorância humana ao ter uma arma na mão. Naquele dia, para ele, bastou uma buzina para que a sua vida não fosse mais a mesma. Ao entrar na rotatória, o carro o fechou e ele buzinou de cima de sua moto. O motorista não ficou satisfeito. Não era uma rixa entre carro e moto, mas sim um aviso de que não houve sinalização ao entrar na rotatória e um aviso de que ele estava ali, ao lado do carro. Mas o outro interpretou como insulto e não deixou barato o que não era caro. Existem motoristas que provocam o caos mesmo sem saber. São relapsos, imprudentes, convergem sem setas, deslocam amarrando o trânsito, avançam sinais, entram em fila quando podem deslocar em linha paralela, param no meio da via impedindo o fluxo e, pior, há aqueles que param nas esquinas fechando o cruzamento. Naquela tarde a moto o alertou de suas peripécias buzinando. Ele deu a volta e retornou com tudo perseguindo o motoqueiro – não no sentido pejorativo. Perseguiu-o sem que ele percebesse. Ao parar na porta de sua casa, o carro o atropelou arrastando-o pela via pública. O ignorante ao volante era um drogado e bêbado, que deslocava livremente pelas vias públicas e se sentiu provocado pela buzina do outro.

 

(*) Professor

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