Nossa raça descende de portugueses, e por aí a gente já entende que rigor e seriedade não estão em nossos fatores genéticos. De momento conto a carta que o amigo inestimável – dr. Osmar Baroni – me enviou como testemunha. Começa a mãe do gajo filho que veio para o Brasil: “Meu amore, estou escrevendo bem devagar porque sei que você tem dificuldade para ler. Também mudamos de casa, não sei o endereço porque o outro morador levou com ele a placa da rua, só para não mudar seu endereço” – e por aí vai a coisa.
Enquanto os conquistadores espanhóis enviaram para a América seus melhores generais e combatentes, para a conquista definitiva de suas terras – e um clero religioso para implantar a fé cristã... nosso Portugal enviou para cá os criminosos e vigaristas como castigo para cumprirem suas penas. Tivemos alguma sorte, porque a nossa terra já era rica pela natureza... e de quebra negras e índias que vocês assistem nos carnavais.
Acontece que a nossa mistura deu um choque genético, como gosta de dizer a turma do zebu, e daí nasceu esta nossa gente que até hoje não se entende nem é entendida – o país da brincadeira. Apresento-lhes o que nós todos sabemos, embora sem reconhecer ou falar de público. De início, pela interinidade grave dos poderes: o Brasil consegue revoluções de comando com guerras ínfimas, se comparadas às revoluções dos demais países.
Eu nasci na revolução republicana entre paulistas e mineiros, quente ali pela ponte de Igarapava, que o Balduino cruzava levando frutas e verduras e trazendo carne de boi como pagamento. Getulio veio até o Rio amarrar seu cavalo no obelisco – nenhum atirador amoitado o ameaçou. A revolução militar mais recente botou em Barra do Pirai dois exércitos – pelo número de não mortos parece que foi decidida no par-ou-ímpar.
A juventude embalada do heroísmo etário e nossa musicalidade sofreram o que não mereciam, mas deve-se dizer que “os outros” também levaram bombas e balas. Mas – e este é o Brasil – tudo passa, e dona Dilma é exemplo e assinatura deste país imprevisível, onde tudo e todos curtam mágoas que lavam com lágrimas e esquecem pelo coração de Portugal.
Estou acompanhando o desastre da chuvarada atual. Vejo como todos se emocionam, todos querem ajudar, orações e suprimentos de Belém a Porto Alegre. Existe ainda aquela raia miúda que suga no sofrimento, mas ela não é o nosso Brasil. Como disse um dos moradores de lar desaparecid “Deus quis assim, mas Ele vai voltar e por tudo em seu lugar”. Assim acontecem os acidentes e sofrimentos: tudo vai passar. Aliás, de bom para nosso sofrimento e hospital: aquele paciente da pinça acidental, manchete nacional, já está curado e teve alta hospitalar. Disse meu Guimarães Rosa: devagar e manso se desata qualquer enlaço. Janeiro afofa o que dezembro endurece. Mais vale esperar... do que conhecer.
(*) médico e pecuarista