Quando crianças brincavam como se fossem o brinquedo
Quando crianças brincavam como se fossem o brinquedo. Porque trabalhavam, coube àquele pajeá-la em carrinhos de nenê. Ela, muito miudinha, ele nem tanto, branquinha e de cabelos espetados. Ele, gordinho, de nariz borrifado e a boca a engolir o que a natureza fazia escorrer. Havia na época, uma cachorrinha - a Laica -, sempre a entrar no meio da brincadeira derrubando meninos que brincam. Quando não ficava escondidinha atrás de arbusto a espreita de quem entrasse pelo jardim, estava se divertindo com a molecada. Certa manhã encontrou-a com a barriga petrificada, com as pernas para cima. O funeral foi o mais longo vivido pela criançada, que a amava. Laica, não latia para crianças, não corria atrás delas, até mesmo aquelas que pulavam no jardim para pegar uma bola perdida. Mas ai daquele que entrasse desavisadamente pelo jardim; encontraria a impetuosa Laica em seus calcanhares. Antes daquele dia fatídico, o irmão levou a irmãzinha ao passeio de carrinho costumeiro. Brincavam na praça fazendo do carrinho um carrinho de corrida entre eles. Às vezes brincavam de patinetes fabricados em casa, rodas de rolimãs em tábua resistente. A molecada descia a ladeira nesses carrinhos de rolimãs disputando quem chegava primeiro, depois, retornavam ao ponto inicial com os brinquedos debaixo dos braços. Mas, naquele dia, ao pajear a irmã, resolveram apostar corrida com o carrinho de bebê. Chamou os amigos. Empurravam o carrinho até a parte de cima da praça e o soltava pelo passeio da praça, corriam para esperá-la que vinha de sorriso em rosto, com cabelos arrepiados, de braços abertos porque não tinha noção do perigo. Voltavam com o carrinho para o início do passeio, e refaziam o trajeto. Era um delírio. A molecada saía correndo disputando quem chegava primeiro, enquanto que o irmão corria ao lado do carrinho, garantia assim o caminho retilíneo, e a velocidade em constante aceleração. Ao lado corria, também, a cachorrinha Laica. Naquele dia houve um inesperado, um gato cortaria o caminho da brincadeira. Antes mesmo de o gato se apresentar, a Laica já havia farejado a presença felina. Ela parou, olhou por debaixo do banco e encontrou o gato de pelos eriçados, rabo erguido, dentes salientes, olhos desafiadores. A cachorra avançou sobre o gato, enquanto as crianças corriam de conga, short, camisa volta ao mundo à frente do carrinho de bebês. Quando o gato passou triscando a perna de um deles, atrás vinha Laica que se enroscou nas pernas do da frente levando-o ao chão e os demais que vinham atrás. Não deu tempo sequer de segurar o bebê que junto com os demais foram ao chão. Como um busca-pé, a gata riscou o espaço entre o banco da praça e a primeira árvore que havia à sua frente, deixando a cadelinha olhando-a num latido interminável. A criançada aos poucos foi se recuperando... Eram cotovelos, joelhos, pernas, mãos para serem cuidados. O neném nada sofreu, caiu sobre eles amortecendo a queda.
(*) Professor