Toda colonização produz novos hábitos, destrói outros, gera mitos formando novos caldos culturais
Toda colonização produz novos hábitos, destrói outros, gera mitos formando novos caldos culturais. Em relação à colonização portuguesa no Brasil, além de ter gerado tudo isso, foi a responsável pela presença da galinha ao cavalo, passando pela vaca e outros quadrúpedes inexistentes por essas bandas. Assim como o Brasil também exportou vários bípedes, o mais amado era o papagaio. Todos os animais trazidos se incorporaram ao cotidiano indígena e espraiaram pela sociedade escravagista. Do primeiro susto indígena ao ver uma galinha à montaria num cavalo, a história escorreu em adaptações culturais aos mitos folclóricos.
Dos mitos temos o samba, que não nasceu popular; popularizaram-no, a feijoada que nunca foi africana, e, sim francesa, exceto pelo feijão preto nativo acrescido à essa culinária, aos famosos genocídios inventados por historiadores marxistas. Porém, falemos de bichos. O cachorro, por exemplo, foi o que mais caiu no gosto da população. De caçadores a bichinhos de estimação conseguiram se safar da gula indígena que preferia a onça-pintada, por acreditarem que as suas qualidades, como a força e coragem, poderiam ser transmitidas a eles através de rituais de comilanças, quando não de carne humana. Safaram-se, também, dos rituais iorubas que preferiam o sangue à carne, entregue aos devotos em seus rituais.
Os cães antes de aqui chegarem não eram bem-vistos na tradição cristã oficial, no entanto, acabou aos pés de São Lazaro e São Roque, transformando-se em filhos adotivos daqueles que têm amor demais para dar além dos seres humanos. Os cães aos poucos foram saindo do quintal e adentraram à casa, e, agora, alguns são tratados como se fossem racionais, portadores de traços de melancolia se não forem tratados humanamente.
Conheci uma cadela com crise existencial por não se ver como tal e sim membro da família. Dizem que a raiz desta crise começou quando ela tentou comer os alimentos utilizando-se das patas sem sucesso. A cadelinha é tão entrosada no seio familiar que participa das discussões conclusivas e se engravidou psicologicamente quando a sua dona assim ficou. Coisas de relações estreitas.
O dono por sua vez a veste com roupas da moda e troca os seus sapatinhos semanalmente, não permitindo que utilizem o espaço do sofá quando ela está deitada. Quando viajam se sentem incomodados se a cachorra não estiver bem acomodada. Para o casal, a cadela era o seu gesto de amor e de formação familiar. Evódio sugeriu então, que construíssem uma casinha no capô do carro, porque assim poderiam viajar tranquilamente com a Escolástica – sua cachorra. E assim fizeram.
Foi ao serralheiro e mandou adaptar uma casinha nos trilhos do bagageiro só para ela viajar sem ter o desconforto de esperar as paradas conforme a intuição familiar. De sua casinha Escolástica olhava a natureza, fazia as suas necessidades, comia quando tinha fome, mas se sentia excluída do seio familiar por estar ali, assim, sozinha. Toda aquela engenharia serviu apenas para aprofundar a sua melancolia. Quando a família começava a arrumar as malas, logo, logo Escolástica caia numa diarreia sem cura. Seu pêlo tornava-se crespo e a sua alegria uma lágrima. Sem desconfiarem daquela melancolia, a enfiavam na casa de viagem. Até que um dia ela pulou pela janela.
(*) professor