De fone nos ouvidos cantarolava uma letra indecifrável, porém, só se podia ouvir o seu desafinar. Mesmo que não fosse, aquela letra falava de alguma coisa possível para ele, senão não se alegraria tanto ao ouvi-la. Era uma batida só, sem criatividade musical, e a letra não se podia entender. Nem o intérprete nem o cantor permitiam ao entendimento. Ele era meio troncudo, nos remetendo à época de pouca esbelteza. Sacudido, bem socado, tinha uma aparência de flamenguista misturado com corintiano. Ele lembra aqueles meninos, espelho um dos outros, com os seus bonés aba reta, de calças caídas, de bundas murchas e pouca coisa na cabeça. Mas sempre em bando a delimitarem o território. O homem aprendeu a delimitar o espaço com os animais. Antigamente as delimitações eram por bairro e não por estilos. Havia um bairrismo feroz, a moçada se digladiava por nada, por modismo, por exibicionismo... Aquele cara cantava, como se não houvesse outros a serem incomodados por ele ou fazia de propósito, como fazem os ridículos motoristas com os seus carros no último volume a profetizarem o caos a partir da música. Creio que essas músicas foram beneficiadas também pela lei de redução de impostos. Essa tal igualdade às vezes desiguala. Haja música de mau gosto, de letras medíocres agora financiadas por nós. Ainda se comemora como se fosse uma vitória da civilização. Tem que parar de conceder gratuidade e proporcionar distribuição de riqueza. Essas políticas públicas generalistas promovem a desigualdade. Fico pensando naquele que estuda música ano após ano, para depois passar ano após ano sem que ninguém nunca o ouça, porque a sonoridade e a letra são de um refino que o mercado não absorve. De nada adianta o imposto zero para este setor. Pra quem já é famoso, muito menos. O imposto zero não atende ao músico e sim ao sistema. Aquele cara tinha um olhar escondido, como o olhar de menino quando se esconde porque não tem a quem culpar pela arte feita. Meio dissimulado, como são os que futricam para se beneficiarem. Tinha uma aparência de equivocado. Como são aqueles que brigam por futebol, por políticos. Diz o ditado, que quando se briga politicamente com alguém, nunca se deve contar à esposa. Caso ocorra a reconciliação, a mulher não perdoará. Continuará brigada. Não perdoa porque ama ou não quer abandonar o que se sente. Aqueles gestos repetitivos se aproximam ao dia a dia nosso. Igual aos homens em aeroportos com aquelas mochilas nas costas... Parecem tartarugas que deslocam com as casas nas costas. Em aeroportos as pessoas são apressadas, mesmo viajando de avião. Ele continua cantarolando aquela música, que parece mais um dialeto urbano. Um cara tossiu, e Evódio se esqueceu de ouvir aquele canto anu para se preocupar com aquele vento que bateu em sua nuca, acompanhado de respingos e pensou: “Deixou em minhas costas o que não cabia em si. Viro-me e o repreendo, arranco a meia e limpo a nuca ou implico com outra coisa...”.