Quando ele disse que o universo não iria curvar-se aos desejos e às necessidades pessoais, soou como arrogância pessoal daqueles que pensam e compreendem as coisas e os fatos em conformidade unicamente ao mundo racional. “De que adianta a sua ira com a chuva, só porque você quer sair e a tem como impeditiva e, portanto, acha que pode se irar, ou porque fez chapinha e a julga mais importante do que a chuva? Ou até mesmo porque a sua sorte está às avessas de seus sonhos, crê que eles sejam mais fortes do que os fatos que o cercam! Do que pensar de sua irritação, quando tudo concorre para o oposto do idealizado e o deixa assim? Devo pensar que a vida é assim mesmo, com os seus carmas a nos agarrar como o gavião a sua presa, levando-a à vertigem do voo inesperado. Pode até ser pensado assim”, asseverou Evódio. “Nunca pensara assim, nem naquele dia mudaria a forma de pensar. A adrenalina muda os rumos da realidade, faz do pensamento contornos solitários à espera do fazer. A emoção cumpre funções diversas. Mas isso não diferencia o real”, disse Evódio. Não depende do pensar. Evódio tinha a sua maneira, a forma de dizer que tudo esta dentro de uma ordem que não é pessoal. Existe como realidade, mesmo não sendo pensada ou desejada. Os fenômenos naturais são como o quotidiano, ocorrem sem a sua intervenção. Eles existem. Nada acontece por vontade pessoal, tudo é natural e necessário. O que diferencia é saber absorver o que é necessário. A vida é assim, independe do desejo pessoal. É assim, e ponto. Como se não houvesse deméritos ou méritos nas ações, exceto nas escolhas. Esse seu jeito de pensar me leva ao infortúnio da minha poesia sem curvas e sem desejos. Fecha-me o pensar, o desejo de uma prosa, que mude os rumos do meu viver. O ar se faz rarefeito, assim, e a escalada torna-se improvável. Talvez eu fique ao longo do caminho por não poder conter a avalanche do destino que escreve a história com as mãos invisíveis. E, assim, Evódio o deixou entregue à reflexão. Labirintos a serem percorridos na busca de uma verdade que se constrói em conformidade à visão de mundo. O universo pode até não se curvar aos desejos e, portanto, não estende os seus tentáculos invisíveis, impedindo ou liberando o caminho de quem segue na vida. Não existe uma forma correta de pensar a vida e os seus infortúnios. O homem é habitado pela dúvida, ninado pelas incertezas, acalentado pela dor. A regra são as perdas. O problema é filosófico, senão religioso, porque descartar o psicológico. A vida é uma dúvida. Ou uma certeza de que nos depararemos conosco, com a nossa imperfeição. Evódio sorriu para o amigo e afirmou que só queria provocá-lo. A chuva leva-nos à reclusão do pensamento. É preciso deixar o outro com os seus pensamentos e as suas dúvidas para que não sejam dos outros a forma de viver.