A violência patrimonial ainda é uma das formas mais silenciosas e difíceis de mensurar dentro do ciclo de agressões contra mulheres. O alerta é do juiz Fabiano Veronez, diretor do Foro e titular da 2ª Vara Criminal de Uberaba, que será transformada na nova Vara Especializada em Violência Doméstica e Familiar. Em entrevista à Rádio JM, o magistrado destacou que, embora existam casos registrados, a ausência de dados objetivos e a complexidade das situações dificultam o diagnóstico e a atuação rápida do sistema de Justiça.
“A violência patrimonial é muito específica. Às vezes, ela não aparece como um crime isolado, mas se desdobra em outras esferas, como nas varas de família, principalmente em casos de separações litigiosas”, explicou o juiz. Para ele, o mais importante, em situações como essa, é garantir que a mulher tenha acesso imediato a acolhimento e assistência jurídica, inclusive para que possa permanecer em segurança com os filhos enquanto discute, em juízo, uma divisão justa do patrimônio.
Esse tipo de violência se manifesta de diversas formas: desde o controle financeiro, apropriação de bens, destruição de objetos pessoais ou impedimento de acesso a recursos básicos. A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) tipifica expressamente a violência patrimonial no artigo 7º, inciso IV, definindo-a como “retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”.
Dados mostram que, embora raro o registro formal, em 2020 foram registradas cerca de 3 mil denúncias de violência patrimonial no Brasil, comparadas a 106,6 mil de violência psicológica, um indicativo da subnotificação. Em 2024, a Central 180 recebeu mais de 750 mil chamados relacionados à violência contra mulheres, com cerca de 132 mil denúncias formais.
Em muitos casos, segundo Veronez, esse tipo de violência impede que a mulher consiga romper com o agressor, mesmo diante de outras formas de violência. “A falta de conhecimento sobre seus direitos ou de alguém para orientá-la juridicamente faz com que muitas vítimas acabem forçadas a suportar a violência, inclusive a patrimonial”, afirmou.
Apesar da demanda crescente, Uberaba conta hoje com uma rede de apoio que oferece suporte jurídico e assistencial às vítimas, como os núcleos de prática jurídica das universidades e a Defensoria Pública, que possui um Núcleo Especializado na Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem). O município também dispõe de casa de acolhimento e do Instituto Madre Tereza de Calcutá (IMAD), que oferece abrigo para mulheres e seus filhos. “A mulher, diferentemente do homem, muitas vezes prefere continuar em situação de violência do que deixar os filhos desamparados. E em boa parte dos casos, essas crianças também são vítimas. Por isso, a gente trabalha a questão da empregabilidade da mulher e, com relação aos homens, temos grupos para que eles compreendam o mal que o comportamento tem feito na vida deles, na busca de acabar com o ciclo da violência”, pontuou.
O juiz reforça que o combate à violência patrimonial exige mais visibilidade, ações articuladas e estrutura adequada para garantir que a mulher tenha o suporte necessário para sair do ciclo de violência com dignidade e segurança. “O sistema funciona, mas a estrutura ainda não dá conta de tudo. Precisamos fortalecer a rede e garantir que nenhuma mulher tenha que escolher entre sua liberdade e o bem-estar dos filhos”, finaliza.