ARTICULISTAS

Ciúme é paixão

Quando ela o conheceu, não percebeu

Gilberto Caixeta
gilcaixeta@terra.com.br
Publicado em 09/07/2013 às 19:55Atualizado em 19/12/2022 às 12:07
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Quando ela o conheceu, não percebeu o traço doentio da desconfiança emantado como ciúmes. Ela sempre de sorriso largo e olhos iluminados de paixão. Ele sisudo, com ares de não estou gostando de nada. Seus olhos não a perdiam. Se um desconhecido se aproximasse dela ou se um conhecido ficasse muito tempo a cochichar com ela, eram logo interrompidos por ele. “Larga deste rapaz”, avisavam aquelas incontidas amigas. “Isso passa, quando a gente casar ele acostuma e pronto”, afirmava a doce sonhadora. “Que nada, uns pioram”. “Isso é pessimismo seu”. “Conheci uma menina que o namorado dela apertou o braço dela com tanta força que chegou a roxear. Ela largou dele na mesma hora. Disse a ele que quem aperta um braço assim empurra. Quem empurra bate. Quem bate pode matar”, contaram-lhe as amigas. “Por mais que eu goste dele, não serei eu quem lutará contra a sua natureza”, continuou dizendo à amiga. “Vocês estão exagerando”. O tempo passou e, aos trancos e barrancos recorrentes, que eram tidos como naturais, veio o pedido de casamento. O casamento foi um fato que não mudou em nada a natureza dele. Certa manhã, ele chegou em casa com um “pastor alemão”. Cachorro adestrado. O cachorro a olhava com os mesmos olhos que o marido a olhava. Seu rosnar era como um resmungo marital. Quando ela menos esperava, ele enfiava a cabeça por entre as suas pernas e a cheirava. Tão próximo de si que podia sentir seu focinho gelado lhe tocando. “Cachorro esquisito, parece que tem parte com trem ruim”, pensava ela. Dizia não querê-lo mais. “Esses dias eu o peguei cheirando as minhas calcinhas”, contou ao marido. “Que coisa mais maluca é essa?” “É isso mesmo. Se ele gosta, deveria cheirar as suas cuecas também”. Quando ela se aprontava para sair de casa quando ele não estava, ninguém aguentava o resmungo do cão. “Cala a boca”, dizia ela. Passava um pouco e lá estava ele conversando por latidos. Ao regressar da rua, o cachorro aprontava um barulhão, até ela abrir a janela que dava acesso ao quintal e gritar com ele. Quando o marido chegava, à noite, conforme o jeito do cachorro, ele sabia se ela havia saído ou não de casa. “Será que ele treinou o cachorro para me vigiar? Não é possível, estou é ficando doida com esse ciúme desmesurado e doentio dele”. Ele, pelo jeito, continuou o mesmo. Era da sua natureza doentia. Ela pressentiu, ao vê-lo passar, que ele estava tramando algo, pois o vislumbrou carregando algo e foi conferir o que era, e o encontrou conversando com o cachorro. Apurou os ouvidos, firmou os olhos para melhor enxergar e segurou a voz ao ouvi-lo dizend “cheira aqui. Tem algo diferente? O perfume é dela?”, dizia chegando o focinho do cachorro na calcinha. Inacreditável. Pediu o divórcio porque não mais tolerou ser cheirada pelo cachorro toda vez que chegava em casa. Quando o marido a esperou com o cachorro preso à coleira, sentado no sofá, percebeu que não tinha mais esperança de ele mudar. “Quero me divorciar de você”, disse ela. “Nunca”, retrucou ele. “Então, será litigioso”. Não teve coragem de contar para o juiz, mas o advogado sabia. “Não acredito”. “Tô te falando...”, dizia ela ao advogado. “Não acredito mesmo”, respondia o advogado, boquiaberto. “Tô te contando...”.

 

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