CAMINHOS DA MENTE

Janeiro Branco, travessia de desertos e saúde mental. Vamos falar sobre?

Sérgio Marçal
Sérgio Marçal
Publicado em 16/01/2025 às 07:45
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Retomando nossa conversa
Você deve ter notado a parada de quase um mês de Caminhos das Mente da segunda quinzena de dezembro até aqui, e te conto porquê. Em alguns ou vários momentos, atravessamos desertos, e este colunista esteve em uma dessas travessias nesse período. Tratando disso com você, como pessoa e profissional, aproveito para falar sobre a importância do cuidado em saúde mental como sempre, convite que nos é feito e reforçado pelo Janeiro Branco.

Que deserto é esse?
O deserto aqui não se trata da formação geográfica, geológica, e sim de períodos difíceis e críticos da vida, nos quais a dor bate forte. Sim, como humanos e iguais que somos, não controlamos quase nada, o que não é possível nem sequer necessário, e não estamos, ninguém, imunes a nada. A dor veio, forte, implacável, lembrando a impotência que nos é comum, e as nuances da sombra do outro, que por melhor que sejamos, não podemos deixar de enxergar. Fazer o bem por vezes pode ser pantanoso.

Desertos e lutos
O deserto deste colunista se materializou na vivência de dois lutos em menos de um mês. Não, não morreu nenhuma pessoa em minha família, mas morreram dois grandes sonhos. Um deles um pouco menor, mas o outro se fazia genuinamente na construção de um oásis para aqueles que sofrem em seus desertos de solidão, desamparo e impotência. Como dito, não se tratava de sonhos individuais, mas de projetos profissionais coletivos, voltados à saúde mental da cidade. Que Outubro de 2024 denso!

Sempre há vida, apesar das mortes
Mortos os sonhos, com dores no mais profundo da alma, tirei férias. Seriam apenas 15 dias em novembro para me refazer e voltar à minha função pública e consultório, ambos na assistência em saúde mental. Tendo buscado o cuidado que sempre recomendo a meus pacientes, decorridos os 15 dias, percebi que não eram estes suficientes, o que me levou a solicitar mais 15 dias de férias, já vencidas. Meu espanto foi constatar que em 15 anos, nunca havia gozado de um mês de férias. Sempre descansei quinze dias ou menos que isso.

Pontos cegos e a abertura dos olhos
A constatação acima me levou a relembrar que mesmo praticando auto cuidado com atenção, todos temos pontos cegos. Em uma trajetória de 15 anos de serviço público e a instituições, dos meus 18 anos de profissão e 39 de idade, percebi que minha doação, necessária, teve, certamente, sua medida extrapolada de alguma forma. É preciso descansar, além de trabalhar, mesmo se cuidando.

Recomeços afetivos
Fui muito bem recebido por chefes e pares em meu retorno, minha gratidão é enorme. Abracei duas oportunidades de cuidados, uma voltada a pessoas negligenciadas, marginalizadas, e outra, a crianças vítimas de violência e abuso sexual. Me propondo a acolher e cuidar da dor do outro, em processo de refazimento pessoal, constatei mais uma vez como em tantas outras de minha jornada, quantas dores profundas, silenciosas, cruéis, violentas vivenciamos, por vezes inadvertidamente, dada sua naturalização e banalização. Você já pensou o que significa física e psiquicamente para uma criança de três, quatro, cinco, seis anos, que está conhecendo o mundo ter seu corpo violado, ser abusada sexualmente por alguém próximo e de confiança? Como fica a vivência do mundo após isso?

Ética pessoa como fonte de força
É imperativa a necessidade de auto cuidado a quem cuida, todavia, as dialéticas éticas nos fazem pensar que nos constituímos no encontro com o outro, e acalentadas minhas feridas, precisava acalentar feridas mais profundas que as minhas, como estas, acima descritas. Com meus cacos colando, ainda secando, coloquei minha ética pessoal à frente. Ela se encontrou com a ética profissional e o trabalho, e segui, sem focar e fixar em minha própria dor, apesar da atenção em não negligenciá-la, agora mais evidente.

Cuidado, estar vivo e viver
Como coletivo, como povo, estando vivos, precisamos de cuidado para assim permanecer. Isso se aplica a tudo que está vivo. Tudo que está vivo, precisa de cuidado para permanecer vivo, mas em nosso caso, pessoas, é preciso mais. Viver de fato vai muito além de estar vivo, e ajudar a sobreviver, para na sequência viver, através do cuidado, é sem dúvida uma forma de me colocar no mundo e dar sentido à minha vida.

Cuidado e ressignificação
Cuidando, me encontro. Abro mais os olhos da mente e do corpo. Fortaleço meu corpo psíquico, entendendo que indiferença e apatia jamais permitirão evolução de nada, ninguém, do mundo. Abraço as oportunidades que surgem no caminho com alegria, cuido, e me cuido!

Janeiro Branco e cuidado da saúde mental
Nesse sentido de cuidado, deixo um convite a você. O mundo não se dá de fora pra dentro, mas de dentro para fora. Aquisições materiais não farão sentido, e não serão úteis se você não estiver emocionalmente bem, sendo daí o convite do Janeiro Branco.

Como uma folha de papel em branco, que te convida a escrever sua própria história, seu ano novo, o Janeiro Branco busca a conscientização sobre a importância do cuidado em saúde mental o ano todo. Não precisamos sobreviver, arrastar, suportar a vida, e evitar esse funcionamento, só é possível a partir do cuidado da saúde mental.

Cuidando da mente e do corpo
Você já parou para perceber que quando sente uma dor física procura o médico, medicação, que geralmente as pessoas fazem check ups físicos anuais e por aí vai? Com a saúde mental é assim? Você cuida ou adia? Aquilo que deixamos de falar, de tocar, de cuidar, não deixa de existir, e em saúde mental, assim como na saúde física, tudo que negligenciamos pode se tornar mais incômodo, até mesmo mais grave, sem falar dos prejuízos na qualidade de vida e perda de boas oportunidades, que podem não sem enxergadas pela interdição da dor.

Quando devo procurar cuidado?
O tempo é relativo, é singular. Não há uma régua para medir e comparar dor, e sequer isso é necessário. Pura perda de tempo. Necessário é receber cuidado. Nem sempre haverá cura rápida, cura total, mas sempre haverá conforto, aconchego, alívio, aprendizado, crescimento, saída da zona de impotência, solidão e negligência. Isso por si só já representa um grande ganho, não é mesmo?

Oportunidades ofertadas pelo Janeiro Branco
Aproveite o convite do Janeiro Branco para construir a sua cultura de cuidados em saúde mental o ano todo, e multiplique-a, afinal de contas todos sentimos vontade de contar boas noticias e espalhar boas novas, não é verdade? O deserto de hoje em sua dor, pode ser período de reflexão, travessia para novas paisagens, paragens, relações e não apenas aridez. O deserto de hoje, sem dúvidas leva a auto encontros, e encontros, que talvez não perceberíamos sem certas quebras, que direcionam nossos olhos àquilo que talvez não enxergávamos, hiperfocados que por vezes podemos ficar. Talvez o oásis que você deseja esteja logo após seu pensamento de desistir, e não desistir pode ser menos difícil se não estiver sozinho. Não precisamos, merecemos nem sequer devemos nos colocar em solidão diante das próprias dores. O mesmo vale para fugir das mesmas. Não merecemos uma fuga eterna, não é fato?

Porta aberta, oportunidades e superação
Aproveite a porta aberta deste Janeiro. Acredite que as coisas difíceis foram parte do caminho, não destino final. Somos obras inacabadas por essência, pois é a busca que dá sentido à vida. A inércia ao contrário, produz tédio, apatia, mortifica a alegria, desmotiva, produz corpos vivos, todavia sem vida. Quando acharmos que a obra está pronta, certamente virá a reforma, já que quase nada é perene na vida, além das perguntas e buscas. Por isso, lance-se em seu caminho! Se cansar, descanse, não desista. Lembre-se que nenhuma obra relevante foi construída na solidão, e que seus problemas são oportunidades de aprendizado e crescimento, e não apenas castigo e dor, como por vezes pensamos, tal qual criança machucada. Aliás, cuide de sua criança, para não ficar tenso, carrancudo e cansado demais.

Janeire-se!
Janeire-se, e siga procurando a vida e a luz. A sua luz, a do outro, a luz do mundo. A vida não se resume às coisas ruins que acontecem, e há muitas coisas boas acontecendo diante dos nossos olhos silenciosamente, que por vezes não percebemos. Ame. Acredite. Cante. Chore, se preciso. Creia. Construa. Cuide. Cuide-se. Dance. Dedique-se. Descanse. Espere. Esperance (como verbo mesmo!). Lute. Ria. Sorria. Viva, viva até perceber que vale a pena viver!

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