Fazendo memória da nossa conversa em Caminhos da Mente
Iniciamos Caminhos da Mente apresentando as propostas dos candidatos a Prefeito de Uberaba na semana do segundo turno das eleições, para a Saúde Mental de Uberaba. A intenção foi chamar atenção para as proposições e contribuir com a escolha do eleitor. A realidade e as demandas da área vem sendo alimentadas pelas informações que temos trazido na rotina da coluna. Após a primeira publicação trouxemos os números do adoecimento mental no Brasil, sinais e sintomas, e a diferença entre tristeza, luto e depressão na nossa última publicação.
Seguimos
No campo da Saúde Mental, o público infanto juvenil ganha cada vez mais destaque face ao adoecimento cada vez mais precoce e grave. Trataremos dessa demanda a partir de hoje, trazendo informações, orientações, alertas, destacando como sempre, a importância do cuidado no tempo devido, visando evitar agravos e prejuízos no desenvolvimento de nossas crianças e adolescentes.
O que determina a saúde mental das crianças e adolescentes?
Gozar de saúde mental é fator fundamental para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças e adolescentes. O desenvolvimento é dinâmico, e resulta da relação entre práticas parentais, habilidades e recursos pessoais, fatores contextuais e determinantes sociais. Como sempre reforçamos, a saúde ou a doença não são um fim em si, sendo sempre determinadas por um conjunto de fatores, a exemplo de estrutura familiar, alimentação e nutrição adequados, suporte social, vivência ou não de violências físicas, psicológicas, sexuais, ambiente doméstico e escolar saudável, acesso a esporte, lazer, cultura, dentre tantos outros elementos constituintes da vida.
Família e práticas parentais
As práticas parentais constituem-se nas estratégias que os pais adotam em relação à orientação do comportamento dos filhos e devem envolver hábitos rotineiros que favoreçam por exemplo, a expressão de afeto, apoio emocional, educação sobre sentimentos, valores pessoais como empatia e respeito, comunicação de sentimentos e fatos, raciocínio crítico e discernimento diante da necessidade de resolução de problemas naturais da rotina escolar, familiar e social que compõe a vida.
Práticas parentais em famílias sobrecarregadas, cansadas e sem tempo
Tratando das práticas parentais, observando o papel e responsabilidade dos pais no cuidado e suporte ao desenvolvimento emocional de crianças e adolescentes, é extremamente relevante destacar a mistura de papéis que tem ocorrido na relação família e escola. A escola em seu papel inicial, oferta o ensino formal, a escolarização. Deve atuar ainda no suporte a situações críticas como conflitos, bullying, adaptação de metodologias para necessidades educacionais especiais. Educar, entretanto, é papel e responsabilidade intransferível da família, dos pais ou aqueles que exercem esse papel. Todavia, o que temos observado rotineiramente é que muitas famílias tentam transferir consciente ou incoscientamente esse papel e responsabilidade para a escola, deixando crianças e adolescentes perdidos, desamparados e solitários nesse aspecto do seu desenvolvimento, o que pode resultar em graves dificuldades, adoecimento e conflitos de ordens diversas.
Se a família não educa, quem prepara para a vida?
A mudança no perfil social e histórico da sociedade, em trânsito, traz o apelo ao consumo e o falso sentimento de inclusão e pertencimento social componentes do comportamento de massa, ou seja, para me sentir bem e posicionado socialmente, preciso ter e fazer o que todos fazem, para não me sentir menor e excluído. Essa mentalidade alimenta a demanda de muito trabalho para seu atendimento. O resultado são pais e mães com mais de um vínculo de trabalho, cansados e esgotados ao final do dia, desejosos e necessitados de descanso, realidade totalmente compreensível. Mas fica no ar a pergunta: com pais exaustos, quem cuida, educa e prepara crianças e adolescentes para a vida? Quais são os espaços diários de diálogo, cuidado, fortalecimento emocional e preparação para a vida?
Agravos, prejuízos, vazios
Diante da ausência das figuras de afeto, segurança e provimento, os pais, observamos uma geração desamparada, solitária, despreparada para as frustrações naturais da vida, que não consegue resolver problemas. Cabe destacar que a frustração jamais é um fim em si, sendo determinante no desenvolvimento da personalidade ao mostrar a necessidade da mudança de comportamento para alcançar aquilo que se deseja, e mostrar que nem tudo que se almeja é necessário, nem sequer possível.
O resultado da vivência familiar no contexto atual, conforme mencionado, contribui para um desenvolvimento emocional e de personalidade prejudicado, incompleto, que tem se expressado em adoecimentos mentais diversos e cada vez mais graves, uso e abuso de drogas, conflitos sociais e ou ausência de relações sociais saudáveis, e em casos mais graves até mesmo o suicídio, que mata mais nossos jovens que a AIDS no Brasil atualmente.
Escola: o dilema entre o ensino formal e comportamentos complexos
A escola também deve ser considerada uma instituição que necessita de cuidado. Em seu papel iniciar de escolarizar, oferecer ensino formal, tem encontrado dificuldades importantes diante de crianças de adolescentes com problemas emocionais, desenvolvimento atípico, assim como em relação àqueles que já apresentam doença psiquiátrica. Ocorre então, que as escolas encaminham crianças ou adolescentes a serviços de saúde na expectativa de um diagnóstico que justifique comportamentos e dificuldades de aprendizagem, como se essas dificuldades fossem somente de natureza individual. É evidente um desejo de controle do corpo e comportamento, diante de inabilidade de manejá-lo, o que aqui trazemos em perspectiva crítico-reflexiva, e não pejorativa, uma vez que a escola tradicionalmente se constitui em espaço de entrega e reprodução de conhecimentos, sendo os professores não preparados em sua formação para lidar com o desenvolvimento de modo amplo e profundo, assim como em relação ao adoecimento e transtornos do desenvolvimento. A escola, além de contribuir no processo de aprendizagem, pode auxiliar na inserção social, todavia, precisa estar preparada para manejar as diferenças individuais sob olhar individualizado e personalizado, para que a vivência coletiva seja possível ou viabilizada, uma vez que partes isoladas, confusas e perdidas não formam um todo, sob pena de se produzir ou reforçar exclusão.
Quando os espaços de desenvolvimento estão em crise, qual o caminho?
Se a família que concebe, apresenta o mundo e prepara para a vida não está conseguindo desempenhar seu papel a contento por questões externas e a escola, espaço fundamental de desenvolvimento no qual a criança e adolescente passa maior parte de seu tempo também se encontra sobrecarregada, e não consegue, inclusive por ser de sua competência, ser continente o suficiente para o desenvolvimento da pessoa, o que resta à mesma? Quem atende essas necessidades? Temos claramente uma crise de papéis e valores, na qual o maior prejudicado são nossas crianças e adolescentes.
Após a introdução, seguimos
Feita a contextualização de hoje, nas semanas seguintes passamos a tratar dos principais adoecimentos vivenciados pelas crianças e adolescentes, possibilidades de cuidado e tratamento e meios de se possibilitar modos de vida que preparem para os desafios atuais e futuros. Venha conosco em Caminhos da Mente para cuidarmos uns dos outros e de todos, produzindo vida de fato na vida, pois como sempre dizemos, “Viver vai muito além de estar vivo, ou sobreviver”, e “Sofrer é natural de nossa existência por razões diversas, mas adoecer é evitável se houver cuidado”. Somos uma sociedade extremamente carente, para não se dizer doente, de esperança e sonhos, que vivencia com frequência o auto abandono e o abandono coletivo, conflitando com a necessidade natural de cuidado, uma vez que tudo que está vivo demanda cuidado para assim permanecer. Reflitamos sobre isso!
Em última análise, precisamos amar para não adoecer.
Freud