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Saúde mental na infância: O desafio dos transtornos de ansiedade e humor frente ao uso da tecnologia

Sérgio Marçal
Sérgio Marçal
Publicado em 11/11/2024 às 10:00
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Retomando nossa conversa
Na coluna de sexta-feira, trouxemos os números sobre adoecimento por ansiedade no Brasil entre crianças e adolescentes e a diferenciação entre ansiedade normal e patológica. O impacto negativo do uso da tecnologia neste contexto também foi debatido, dada sua importância, assim como os conflitos de papéis entre escola e família na formação deste público. Finalizamos apresentando os principais adoecimentos por ansiedade, notadamente o transtorno de ansiedade generalizada, fobia social, síndrome do pânico, finalizando com o diagnóstico, tratamento e os empecilhos do estigma e preconceito que permeiam a saúde mental e implicam negativamente no curso do adoecimento. Hoje, trataremos dos transtornos de humor entre crianças e adolescentes, com foco na depressão e transtorno afetivo bipolar, o TAB.

Mudanças típicas da adolescência e os Transtornos de Humor
A adolescência, segundo a OMS, é o período da vida a partir do qual surgem as características sexuais secundárias e se desenvolvem os processos psicológicos e os padrões de identificação, que evoluem da fase infantil para a adulta. Entre elas, está a transição de um estado de dependência para outro de relativa autonomia. Considera-se adolescência o período de 10 a 19 anos, onde se distingue a adolescência inicial, dos 10 e 14 anos de idade e adolescência final, dos 15 a 19 anos. Nesta fase, acontecem as maiores transformações, tanto físicas, quanto psicológicas, e a velocidade dessas transformações podem assustar e até mesmo incomodar a todos os que estão envolvidos com o adolescente e a ele próprio.

O adolescente se depara com diversas situações que podem contribuir para a flutuação de humor e alterações significativas no comportamento. Essas intensas mudanças a caracterizam como uma fase de reorganização, tornando-a extremamente propensa ao desenvolvimento de alguns distúrbios, estando a depressão entre os principais.

A classificação transtornos de humor engloba os diagnósticos que levam a alterações de humor nas pessoas de modo amplo e seus desdobramentos no funcionamento psíquico e físico, que envolvem principalmente a depressão e o transtorno afetivo bipolar.

No Brasil, estudos demonstram prevalência de 30% de transtornos mentais em adolescentes10. Entre os agravos mais frequentes estão os transtornos de ansiedade, depressão, transtornos de conduta e o uso de substâncias psicoativas.

Internações de adolescentes por transtornos mentais
A internação, conforme prevê a legislação brasileira, é medida extrema, e apenas deve ser adotada, esgotadas as possibilidades ambulatoriais de cuidado, ou seja, o tratamento com consultas em consultório, e em havendo risco de vida para si e terceiros. Ocorre devido a agravos, quando o tratamento não ocorreu ou se deu de forma ineficaz, gerando risco iminente. Diagnósticos primários que motivam internação de adolescentes no Brasil, segundo o SIH/SUS, Sistema de Informações Hospitalares do SUS, ferramenta de análise epidemiológica sobre hospitalizações indicam a depressão como primeira causa de internação (34%), transtorno de humor (31%), psicótico (9%) e uso de substâncias (7%).

Os diagnósticos comportamentais secundários mais comuns consistem em depressão (26%), transtorno de déficit de atenção (26%) e transtornos por uso de substâncias (22%).

Depressão em adolescentes
O termo depressão é informalmente utilizado para caracterizar tanto um estado afetivo normal quanto um sintoma, uma síndrome ou uma doença. O estado afetivo normal e transitório que popularmente chamamos de tristeza, é uma resposta humana comum às situações de perda, derrota, desapontamento e outras adversidades, e que por ser transitório em seu estado normal e saudável, passa.

Quando prolongada a tristeza, tem-se a depressão, transtorno psiquiátrico que acomete a população em geral, mas atinge de forma grave crianças e adolescentes, desempenhando um impacto negativo no funcionamento social, escolar e familiar desse grupo. O risco de suicídio é aumentado em jovens com depressão.

O sentimento de tristeza vem acompanhado de um estado de impotência, letargia, apatia em que a pessoa acometida sente pelo que acontece em seu cotidiano. É um problema que vem afetando as pessoas desde o início das civilizações, mas que tem sido reconhecida na atualidade como o “Mal do Século”, dado o crescimento contínuo da quantidade de pessoas com esta doença, independente de raça, credo, idade ou sexo.

Causas da depressão
É desencadeada por uma diversidade de fatores psicológicos, genéticos, bioquímicos e sócio familiares. conjunto de transtornos que se manifestam com determinada frequência, tempo de duração e intensidade. Por ser um problema que afeta a população em geral e em qualquer idade, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-IV, incluiu a depressão como "Transtornos do Humor" e "Transtornos Afetivos", conforme o CID-10.

Tratamento da depressão
O tratamento se dá tipicamente pela associação entre medicamentos da classe dos antidepressivos e psicoterapia, construindo espaços de da fala, compreensão das mudanças e desafios do desenvolvimento típicos da idade, a partir do acesso a pensamentos e sentimentos que requerem ressignificação e desenvolvimento de estratégias de enfrentamento de diversidades, sem necessariamente desenvolver a postura de auto fechamento em si, solidão, isolamento.

A Terapia Cognitivo Comportamental apresenta resultados importantes no cuidado do quadro, pois realiza avaliações realísticas e mais adaptativas da realidade, partindo da constatação que o adoecimento psíquico surge a partir das distorções cognitivas do indivíduo, ou seja, padrões errôneos de pensamentos, crenças ou esquemas desadaptativos, que se formam ao longo da vida e que se manifestam de forma automática. Desta forma, auxilia o cliente a identificar tais pensamentos e observar o quão relacionados estão aos sentimentos e comportamentos. O paciente é auxiliado a validar a veracidade desses pensamentos, identificar os esquemas e as  crenças,  auxiliando-o a  monitorar a presença desses pensamentos automáticos e alterar tais padrões distorcidos

Transtorno Afetivo Bipolar, TAB
O Transtorno Afetivo Bipolar, TAB, é um transtorno neuropsiquiátrico caracterizado por perturbações graves e flutuação do humor e consiste na sexta principal causa de incapacidade em todo o mundo. Pode haver vários graus de sintomas, e características do espectro bipolar, como aumento da atividade motora (agitação), hipersonia (excesso de sono), hiperfagia (comer excessivo) ou irritabilidade. É descrito tipicamente como episódios alternados de mania (agitação, euforia) e depressão, todavia, nem todos os indivíduos apresentam esse curso clássico, podendo apresentar fases de depressão e ou irritabilidade sem alternar entre mania e depressão. É uma doença psiquiátrica grave e altamente mórbida que foi classificada como uma das 20 principais causas médicas de incapacidade.

Prejuízos podem ocorrer ainda em outros aspectos do desenvolvimento como no funcionamento cognitivo, qualidade de vida, alta sobrecarga do cuidador e custos sociais substanciais. O TAB favorece ainda o desenvolvimento de transtornos de ansiedade e uso de substâncias, ambos os quais têm sido associados a pior curso e qualidade de vida, bem como maior probabilidade de tentativas de suicídio. Você percebe a gravidade disso e a importância de saber perceber sintomas e buscar tratamento no tempo devido?

Idade, prevalência (grupos mais afetados) e desdobramentos do TAB
O diagnóstico, especialmente em crianças pré-púberes, é desafiador e ainda mais complicado pela co-ocorrência de outras condições, como o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), com sintomas sobrepostos, além do fato que a criança e ou pré adolescente pode estar apresentando sintomas que podem, se corretamente tratados, serem superados no desenvolvimento.

O TAB é diagnosticado com mais frequência por volta dos 18 anos de idade, quando ocorre de forma episódica, com exacerbações frequentemente presentes em momentos de estresse. Os fatores de alto risco para o desenvolvimento da doença passa por critérios familiares –a presença de pelo menos um parente de primeiro ou segundo grau com história de transtorno bipolar, sendo que o risco relativo para parentes de primeiro grau de pacientes com TAB  é  de  aproximadamente  7 a 10.

Entre as mulheres, o maior risco ao longo da vida para o primeiro aparecimento de transtorno bipolar ou recorrência do episódio de humor ocorre no período perinatal, ou seja, durante a gravidez ou dentro de um ano após o parto. É o transtorno psiquiátrico com as taxas mais altas de suicídio consumado.  Além disso, está frequentemente associado a maiores riscos de autoagressão e mortalidade em relação à população em geral, criando uma enorme carga de doença para os pacientes e para a sociedade. As taxas de recaída permanecem altas, apesar dos tratamentos disponíveis, e no   ano após a hospitalização por episódio maníaco, dois terços dos pacientes não   retornam ao trabalho.

Sintomas do TAB
Enquanto doença crônica, é caracterizado por uma alternância entre mania ou hipomania e depressão. Os sintomas depressivos normalmente predominam, todavia, a presença de episódios maníacos ou hipomaníacos é a marca central que leva ao diagnóstico. Durante os episódios de mania ou hipomania, o paciente pode apresentar sintomas relacionados ao humor elevado, incluindo euforia, sensação de grandeza, hiperatividade, aumento da atividade sexual, diminuição da necessidade de sono, comportamentos de risco, irritabilidade e agressividade. Por outro lado, os episódios de depressão são caracterizados por anedonia, tristeza, sintomas vegetativos e retardo psicomotor. Episódios mistos se manifestam como estados simultâneos de mania e depressão.

Tratamento
O tratamento é realizado tipicamente pela associação de tratamento médico psiquiátrico e psicoterapia. A prescrição médica geralmente passa pela classe denominada estabilizadores de humor para conter as oscilações deste, que pode ter antidepressivos associados visando aumento de energia em episódios depressivos, bem como antipsicóticos voltados à diminuição da impulsividade e pensamentos disfuncionais, intrusivos, aqueles que a pessoa não controla. A medicação em geral é associada, decisão que leva em conta a condição do paciente. A psicoterapia, igualmente à medicação é essencial, pois ajuda o paciente a perceber os fatores que levam à alteração de humor e a desenvolver estratégias de enfrentá-las, evitando crises e prejuízos dela decorrentes.

Por tratar-se de doença crônica, ou seja, ainda não curável, e com alto risco de recaída e incapacidade, o tratamento farmacológico profilático (preventivo) eficaz, especificamente na população juvenil, é extremamente importante.

“Tudo aquilo que não encaramos, nos aprisiona”.

Bert Hellinger

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