Retomando nossa conversa
Na coluna desta quarta-feira, 27/11/2024, tratamos sobre a Dezembrite, conhecida como a síndrome do final do ano, ocasião em que muitos de nós nos pegamos avaliando o ano, diante da cultura geral de se estabelecer metas para o ano seguinte neste que finda, e os sentimentos decorrentes do momento. Discutimos um pouco sobre as emoções comuns, incluindo a frustração, ansiedade, insegurança, o impacto destas, e os desdobramentos possíveis para quem possui algum diagnóstico em saúde mental. Finalizamos tratando da importância de se estabelecer metas exequíveis, ou sejas, viáveis, possíveis de executar, e que tenham sentido real em nossas vidas, que nos levem ao crescimento.
Caminhos da Mente de hoje
Discutindo com a coluna anterior, trataremos hoje sobre um tema importante e urgente no Campo da Saúde mental para a sociedade como um todo: a Saúde Mental no Trabalho. Quem nunca se sentiu cansado, para não dizer esgotado, sem energia, desmotivado diante da rotina de trabalho da vida? Você já parou para avaliar que passamos a maior parte do tempo trabalhando, e que por isso o trabalho apesar das dificuldades e desafios precisa ser minimamente saudável, sob pena de no caso contrário se tornar fator de adoecimento? Você conhece a realidade do adoecimento mental no trabalho no Brasil e no mundo? É sobre isso que passaremos a tratar hoje. Apresentaremos reflexões sobre o que provoca o adoecimento no trabalho e iniciaremos uma discussão sobre os principais quadros, para na próxima coluna detalhar a respeito. Vamos juntos!
Iniciando nossa conversa: de onde surgiu o trabalho na vida humana? Aspectos históricos e antroplógicos
A temática é bem mais profunda do que imaginamos. Desde quando começamos a evoluir, quando o homem começou a abandonar as cavernas para viver uma vida nômade, ou seja, migrando de lugar em lugar, foi se necessário desenvolver habilidades e ferramentas para garantir a sua sobrevivência. Vivendo nas cavernas, tirávamos da natureza estritamente o necessário para nossa sobrevivência. Saindo delas, fomos nos dissociando gradativamente da natureza e da sobrevivência em uma escala quase animal, para processar essa mesma natureza em nosso próprio benefício. Percebendo que poderia fixar-se em um só lugar, o trabalho passou pela produção inicial que respondesse a suas necessidades básicas, até a proteção de seus bens.
O trabalho, e não apenas a retirada de alimentos da natureza tal como os demais animais se inicia no nomadismo, quando percebemos que as sementes dos frutos que colhíamos produziam uma nova fonte de alimento, estabelecendo assim os primeiros sinais da agricultura, em uma técnica agrícola primitiva.
Passado o tempo, mudam-se os conceitos
Do homem primitivo à Grécia Antiga, muitos e muitos séculos após, o significado de trabalho foi associado a fardo e sacrifício. O trabalho era desprezado pelos cidadãos livres. Platão considerava o exercício das profissões vil e degradante. Nos primeiros tempos do cristianismo, o trabalho era visto como tarefa penosa e humilhante, como punição para o pecado. Ao ser condenado, Adão teve por expiação trabalhar para ganhar o pão com o suor do seu próprio rosto. Percebemos como a história impacta em nosso inconsciente coletivo, na mentalidade coletiva sobre o trabalho, no caso de nossa discussão de hoje?
Síndrome de Burnout
A Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional, por longo tempo teve seus sintomas confundidos com outras doenças. É um distúrbio emocional caracterizado por extrema exaustão, estresse e exaustão física por estresse crônico no trabalho que exige muita competitividade ou responsabilidade.
Burnout, depressão e ansiedade em números
Pesquisa inédita conduzida pela empresa Gattaz Health & Results, liderada pelo presidente do Conselho Diretor do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq - USP), Wagner Gattaz, mostra que 18% dos profissionais brasileiros, ou seja, 1 a cada 5, sofrem com a Síndrome de Burnout. Além disso, 43% relataram sintomas depressivos, com 13% tendo sido diagnosticados com a doença; e 24%, queixas relacionadas à ansiedade, embora apenas 5% oficialmente com o diagnóstico para o transtorno. Perguntamos: porque pessoas com sintomas claros não foram diagnosticadas e cuidadas? Lembra-se da perspectiva moral, que associa a fraqueza e incapacidade o adoecimento mental? Afirmo que estamos falando disso.
Para antes do trabalho: a sobrecarga de papéis e demandas sociais
O adoecimento mental tem sido um dos fenômenos mais marcantes da sociedade atual, se materializando em sintomas e quadros de ansiedade, estresse, depressão, fobia social, desordens alimentares, automutilação, insônia, além de vários outros sintomas. O adoecimento em massa se dá em meio a um cenário no qual se fala muito na necessidade do “sentir se bem”, o que significaria “se realizar como profissional, pai, cônjuge e cidadão capaz de contribuir efetiva e resignadamente com a sociedade tal como nos é apresentada”. Pergunto: será mesmo necessário e possível o ideal de capacidade e desempenho plenos? O que essa busca pode custar? Respondo: sem dúvida, pode comprometer ou aniquilar nossa saúde mental e física.
O sofrimento não é individual! Ele é na maioria das vezes negado
O fetiche de uma vida feliz, baseado na plenitude da mesma, que se materializaria no sucesso profissional, família estável e vida sem problemas, além de pressionar as pessoas a alcançar conquistas muitas vezes irreais, esconde as contradições que nos levam a situações de desgaste físico e mental, de sofrimento e adoecimento. É construída uma narrativa de sofrimento que individualiza o fracasso, que coloca o mesmo em lugar moral e produz culpa, fazendo com que se isole a dimensão social e política, daquilo que influencia e ou determina nossa forma de vida, ou seja, se não consigo alcançar o esperado, a fraqueza e responsabilidade são minhas. Será mesmo assim? Será que os objetivos coletivos são de fato possíveis de ser alcançados? Onde se encontra a individualidade em meio à coletividade? Seria o adoecimento uma questão apenas individual ou uma produção social sobre a qual na maioria das vezes não possuímos crítica? Sigamos na reflexão.
A doença jamais é um fato em si, é uma construção
É perceptível que a depressão, a ansiedade e o estresse, dentre outras formas de adoecimento, estão relacionados entre si, podendo ser não apenas a causa de uma ou outra, como uma possível manifestação de agravamento. Esses transtornos, como outros tantos, têm sua origem na situação concreta em que vivemos, tendo também como pano de fundo, entre outros, o crescente processo de individualização do trabalho e a ruptura do tecido de solidariedade antes presente entre os trabalhadores. Observe: trabalhamos cada vez mais desejosos do final do expediente para irmos para casa, ocasião em que por vezes não sabemos o que queremos primeiro: um banho, comer ou dormir. O que isso sinaliza? Estamos cada vez mais cansados e mais sozinhos. Se o cansaço pode atrapalhar relações de qualidade no lar, na família, imagine a convivência social extensa a amigos e demais. Quais são os fatores de refazimento na nossa rotina, aquilo que nos faz bem, que dá sentido à nossa vida? Não podemos esquecer que sofrimento e adoecimento têm relação direta com nosso modo de vida.
Como sempre dizemos, por mais vida na vida!
Como sempre dissemos e dizemos, viver está para além de estar vivo ou sobreviver. A palavra esperança, precisa ser repetida, para que seja sentida e vivida, praticada. Precisamos ser, sentir, amar, viver. Persiga na rotina sonhos, desejos, repetir rotina é normal, mas se abandonar não deve fazer parte da rotina.
Tome cuidado com o vazio de uma vida ocupada demais.
Sócrates
“O ato mais profundo de curar é falar, o ato mais profundo de ajudar é escutar”.
Autor desconhecido