CAMINHOS DA MENTE

Você conhece os adoecimentos mentais mais comuns em crianças e adolescentes?

Sérgio Marçal
Publicado em 08/11/2024 às 11:59
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Saúde Mental de Crianças e Adolescentes em números no Brasil
O Relatório Situação Mundial da Infância 2021, estima que no Brasil quase 01 em cada 06 meninas e meninos entre 10 e 19 anos de idade vive com algum transtorno mental, parcela mais exposta ao risco de automutilações, depressão e suicídio. Segundo a UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância, a pandemia de COVID-19 agravou a situação socioeconômica de milhões de pessoas, demonstrou o papel que as circunstâncias e as conexões afetivas – com mães, pais, cuidadoras, cuidadores, amigas e amigos – representam para o fortalecimento da saúde mental da infância à juventude, assim como o impacto negativo que a pobreza e a discriminação têm sobre a felicidade e bem-estar nessa faixa etária. Tratamos um pouco disso na coluna anterior, ao falar sobre as práticas parentais e suporte social.

Transtornos Mentais mais comuns em números: ansiedade e depressão
Em todo o mundo, cerca de 20% dos adolescentes têm problemas de saúde mental ou comportamentos disfuncionais, sendo a depressão o principal fator isolado que contribui para a carga mundial de doenças em indivíduos entre 15 e 19 anos; destaca-se que há uma estreita relação entre depressão e ansiedade nessa fase da vida

No Brasil, estima-se que 3,6% dos adolescentes de 10 a 14 anos e 4,6% dos de 15 a 19 anos sofram de ansiedade. Entre 2011 e 2022, a taxa de suicídios entre 10 e 24 anos cresceu 6%, e a de autolesões, 29%.

Entre 2013 e 2023, a taxa de crianças de 10 a 14 anos com ansiedade é de 125,8 a cada 100 mil. Entre adolescentes, salta para 157 a cada 100 mil. Em pessoas com mais de 20 anos, o número cai para 112 a cada 100 mil. 

O Mapa da Violência, organizado pelo Ministério da Saúde, mostra que, de 2002 a 2012, o número de suicídios entre crianças e adolescentes de 10 a 14 anos aumentou 40%, sendo este o desfecho mais grave de adoecimentos mentais não tratados ou inadequadamente tratados.

Uso, abuso e dependência de tecnologia e o adoecimento mental de crianças de e adolescentes
A piora da saúde mental entre crianças e adolescentes é multicausal, mas o uso excessivo de dispositivos eletrônicos, tempo demais em telas, sobretudo em redes sociais, tem uma forte influência no adoecimento. As mídias sociais têm consumido um tempo absurdo dos jovens, que chegam a passar quatro a cinco horas em uma só delas, migrando para outras, inclusive após à meia-noite, o que gera uma repercussão grande no sono e dificuldade de concentração no dia seguinte. Além da compulsão natural e dependência que o uso e abuso de telas provoca, consequências na vida escolar/cognitiva, desenvolvimento social e emocional são graves.

Desenvolvimento normal/típico: relação telas X brinquedos
Nosso cérebro não está preparado para a quantidade de estímulos proporcionados por horas e horas em frente de telas. A tendência crescente de ansiedade, depressão e suicídio entre crianças e adolescentes está relacionada com a redução de oportunidades para crianças e adolescentes brincarem sem a supervisão de adultos. O brincar tem papel essencial no desenvolvimento cognitivo e emocional ao estimular a imaginação, criatividade, autonomia, coordenação motora, socialização, despertamento de valores como compartilhamento de brinquedos, respeito, cumprimento de regras e normas dentre tantos outros essenciais na adolescência e vida adulta.

Desenvolvimento normal/típico II: desenvolvimento social, autonomia, independência e resiliência
Outro impacto negativo encontra-se no campo das as mudanças sociais, principalmente em relação à segurança pública, têm contribuído para prejuízo na independência, pois hábitos de gerações anteriores como brincar na rua com outras crianças, sair sozinho para atividades como ir a algum estabelecimento comercial próximo de casa, deixou de ser parte da infância e da adolescência e reduziu a capacidade de resiliência e de independência. A perda de elementos que compõe do desenvolvimento social e emocional naturais tem contribuído para prejuízos e agravamento da condição de saúde mental de crianças e adolescentes. 

Ansiedade normal e patológica
Apesar de trazer números gerais, na coluna de hoje por abordar especificamente a ansiedade, suas variações e tratamento.

A ansiedade é uma característica natural ao ser humano, considerada uma reação normal ao estresse, compondo assim a dinâmica de adaptação de nossa espécie no processo de sobrevivência. No entanto a partir do momento que o indivíduo passa a manifestar essa reação de forma persistente, intensa e desproporcional, causando prejuízo a nível social e ocupacional, pode se caracterizar uma patologia ou doença.

Os sintomas ansiosos mais comuns tendem a surgir gradualmente   na   infância, entre   06 e 08 anos, manifestando-se   por preocupação excessiva, medos acentuados e evitação de situações sociais. Na   adolescência, observa-se   uma   piora   significativa   dos   sintomas, coincidindo  com  o  aumento  das  demandas  sociais. Quando ansiedade não é tratada de maneira eficaz, podem ser desencadeadas suas variações ou derivações, a exemplo do transtorno do pânico, fobia social, transtorno de ansiedade generalizada e outras psicopatologias.

Ansiedade desproporcional e generalizada
O Transtorno de Ansiedade Generalizada, TAG, se caracteriza pela preocupação excessiva e desproporcional em relação ao perigo real. Os sintomas comuns incluem alterações de caráter físico e mental, como episódios frequentes de distúrbios no sono (insônia ou excesso de sono), agitação motora, dificuldade de concentração, irritabilidade, fadiga extrema e tremores. Importante destacar que quadros de TAG predispõe ou vulnerabilizam para o desenvolvimento de outras doenças, como a Fobia Social, depressão, Transtorno do Pânico e até mesmo abuso de substâncias psicoativas. 10% dos adolescentes na idade entre 05 a 15 anos apresentavam transtorno mental, dentre eles o TAG, sendo a maior prevalência em indivíduos da pele preta, em famílias monoparentais, baixa renda e escolaridade.

Fobia Social
A fobia social é um dos quadros ansiosos mais comuns ou prevalentes na adolescência. É caracterizada por medo acentuado de situações sociais, muito relacionado a ansiedade de desempenho, nessa fase da vida na qual sentir-se capaz, pertencente é muito comum. A pessoa tende a evitar situações em que precise estar em meio a outras pessoas, por medo de ser avaliada, criticada, depreciada, não aceita. A auto cobrança e cobranças externas são fatores importantes para seu desencadeamento e evolução, e como consequência óbvia, o prejuízo em relacionamentos sociais e desenvolvimento afetivo chamam atenção.

Transtorno de Pânico
O transtorno do pânico, cursa com crises de ansiedade recorrentes a sintomas físicos intensos, sendo classicamente marcado por sensação de morte iminente. A depressão associada também é bastante frequente. Os sintomas mais comuns são medo intenso e repentino, sem motivo aparente; medo de morrer, perder o controle ou enlouquecer; sensação de desmaio ou vômito; palpitações ou frequência cardíaca acelerada; falta de ar ou sensação de asfixia; sudorese excessiva; tremores ou espasmos; náuseas, dores gástricas ou diarreia; sensação de dormência ou formigamento e sensação de estar fora do corpo/despersonalização. A pessoa pode apresentar alguns dos sintomas, e não exatamente todos eles, todavia, em casos mais graves, pode vivenciar todos. As crises podem aumentar em frequência e intensidade, ou seja, podem ocorrer cada vez mais próximas umas das outras, com maior repetição, e cada vez mais intensas, com aparecimento de novos sintomas dentre estes aqui descritos. Imagine o que é conviver com tantas sensações desagradáveis sem suporte!

Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico envolve a investigação cuidadosa dos sinais e sintomas ansiosos, e instrumentos psicométricos validados para avaliação da ansiedade em crianças e adolescentes (testes psicológicos). O tratamento é individualizado, combinando    abordagens psicoterapêuticas cognitivo-comportamentais, intervenções psicoeducativas com o paciente e a família, e intervenções medicamentosas quando necessárias, com administração principalmente de ansiolíticos. Intervenções precoces, integradas/multiprofissionais e multidimensionais são essenciais para impedir a progressão e o agravamento do quadro ansioso na população infantojuvenil.

Estigmas quanto a diagnóstico e tratamento
Adoecemos do corpo, e do mesmo modo pode ocorrer com a mente. Todavia, observe que nossa cultura de modo geral nos estimula à realização de check ups clínicos, ou físicos anualmente, mas o mesmo não ocorre com a saúde mental. A associação entre adoecimento mental e incapacidade, preguiça, fraqueza, incapacidade é fator que contribui de modo extremamente desfavorável para o diagnóstico no tempo devido e empobrece o prognóstico, ou seja, o desenvolvimento e melhora do quadro. Precisamos criar a consciência de que em saúde mental, assim como na saúde em geral, qualquer quadro não tratado pode agravar e gerar comprometimentos á vida do indivíduo. Não é razoável sofrer sozinho, em silêncio, vivenciando piora e uma dor invisível.

Próximos passos de “Caminhos da Mente”
Na semana que vem, passamos a tratar outras condições de saúde mental mais comuns entre crianças e adolescentes, incluindo a depressão, buscando como sempre a formação de despertamento, consciência, prevenção, cuidado, qualidade de vida. Lembre-se sempre que viver, como sempre repetimos, está muito além de sobreviver, suportar a vida, ou apenas estar vivo, e nossas crianças e adolescentes precisam se suporte para expressar dores que muitas vezes não conseguem verbalizar, por isso, procuremos sempre ajuda especializada.


“É preciso falar de esperança todos os dias, para que não se esqueça que ela existe.”

Mia Couto

  

  

  

  

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