CAMINHOS DA MENTE

Você sabe quando a tristeza e o luto se tornam depressão?

Sérgio Marçal
Sérgio Marçal
Publicado em 04/11/2024 às 11:15Atualizado em 04/11/2024 às 11:54
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Reiniciando nossa conversa
Na coluna da semana passada trouxemos números sobre adoecimento mental que apontam que o Brasil é o país com maior prevalência de depressão na América Latina, além de ser o segundo país com maior em número de casos nas Américas, segundo a OMS, que aponta ainda que 5,8% da população brasileira sofre de depressão, o equivalente a 11,7 milhões de brasileiros. Nesse sentido, o Ministério da Saúde revela que nos próximos anos até 15,5% da população brasileira pode sofrer depressão, ou seja, os números tendem a triplicar.

Ampliando o raciocínio
Sentir-se triste diante de fatos da vida é natural, e mesmo saudável, pois demonstra que nosso psiquismo está reagindo diante de fatores adversos que provocam sofrimento. Todos podemos experimentar os sintomas descritos na coluna da semana passada, todavia, se estes passam a se prolongar e implicar em prejuízo na rotina que você desenvolvia com naturalidade, acende-se uma luz amarela. É momento de atenção, e de perceber que, se os sintomas se prolongam e você não está conseguindo superá-los sozinho, pode estar desenvolvendo a depressão.

Luto, tristeza e depressão
Pegando carona no Dia de Finados, momento que nos convida à reflexão sobre a finitude da vida que culturalmente tendemos a rejeitar, falamos então sobre tristeza, luto e depressão. Conforme dito, tristeza diante de perdas ou dificuldades é natural, esperado. Ninguém por mais saudável e forte que seja, está pronto para ver um ente querido na urna funerária e pensar que jamais tocará aquela pessoa após o sepultamento. É aí que entra a função do velório, que serve para constatação concreta da morte, em um rito por meio do qual nos despedimos e começamos a assimilar que a vida da pessoa amada findou. O velório simboliza a transição, a consumação da morte, para vivência do luto.

Luto
O luto é o processo de readaptação da realidade sem a pessoa que se foi e é importante que o indivíduo vivencie essa experiência para aceitar a perda. O conjunto de reações adaptativas após a perda podem ajudar o enlutado a se reorganizar emocionalmente. Não é necessário nem sequer saudável esquecer quem se foi, mas se acomodar com as lembranças e buscar ocupação saudável da mente, para que as memórias dolorosas possam ir sendo suavizadas naturalmente ao longo do tempo. A vida, certamente não será como antes, mas é possível construir um novo modo de viver após o luto, saudável, sem entrar em desesperança, apatia, frustração crônicos.

Sinais do luto
Muitos sentimentos são comuns em um processo de luto, e se transformam ao longo do tempo se a pessoa buscar desenvolver meios para continuar vivendo após a perda. Choque, apatia, raiva, tristeza, culpa, ansiedade, desamparo, cansaço, alterações de comportamento são comuns, a exemplo do isolamento social, alterações de sono/apetite, sonhos com o falecido, evitação de lembranças/necessidade reviver e falar sobre a situação de perda, diminuição de interesse pelo mundo externo, dificuldade para amar, desânimo profundo e redução das atividades ao mínimo necessário.

Duração do luto
O processo de luto é muito individual e vários fatores podem influenciá-lo. Não existe um tempo exato para a dor cessar, nem um prazo de validade para ela. O luto dura o tempo que precisa durar, sejam meses ou mesmo anos. Não é somente o tempo e nem a presença isolada de sintomas ou comportamentos que fazem o luto ser complicado. É importante estar atento à intensidade, frequência e duração das reações do indivíduo à perda.

Nos lutos complicados, o processo se estende, se intensifica, e faz com que seja difícil retomar a vida. Quando isso ocorre, pode estar se instalando uma depressão, e com a luz amarela acessa, é momento de procurar ajuda especializada com psicólogo e/ou psiquiatra.

Depressão
Diferente do luto natural, no qual a dor dilacerante do princípio vai sendo substituída por novos elementos de vida, o luto complicado pode desencadear a depressão. A diferença entre um e outro, conforme dito, está no prejuízo à rotina decorrido o tempo da perda, sem reorganização pessoal, profissional e social do indivíduo. A fixação na dor e sintomas acima descritos, como isolamento social, alterações de apetite, sono, apatia, falta de energia, humor rebaixado são sintomas de quadro depressivo. Importante destacar, que a depressão pode sofrer uma escalada, de leva, moderada a grave, se não tratada corretamente.

Empecilhos à percepção da tristeza, luto e sua diferenciação da depressão
A cultura atual de felicidade ininterrupta, vida plena, beleza, negação da dor e dos problemas, imediatismos dentre tantos outros elementos, que produzem um falso ou exagerado otimismo, com tentativa de abafar ou negar sentimentos negativos não fazem com que estes desapareçam, pelo contrário, eles podem se intensificar e levar o indivíduo a um grau mais elevado de estresse. A tentativa de banir as emoções difíceis tem crescido atualmente face ao estilo de vida ilusório, o que pode leva-las a inúmeras frustações, estresse e quadros depressivos. Sofrer é natural da nossa existência, adoecer, todavia, é evitável se a pessoa refletir sobre o que a faz sofrer, buscar compreender o que dói, desenvolver estratégias de enfrentamento, e crescer com as dificuldades, inclusive com ajuda especializada.

Você é singular!
Não existe vida ideal. Existe vida individual. Você não estará bem coletivamente se não estiver bem e em paz consigo mesmo. Não somos produtos fabricados idênticos, em escala industrial, logo não é saudável o desejo de ser igual ao outro. Cada um de nós mesmo que viva junto do outro é único, singular, e essa é nossa essência, que não deve ser negada a pretexto de pertencimento a padrões de comportamento que muitas vezes são ansiógenos, exaustivos e produtores de vazio, angústia. Esteja atento que na correria e ansiedade para ter e ser igual ao outro surge o cansaço e esgotamento, precursores da depressão. O modelo de vida plena em sua correria, pode nos levar a acelerar e frear o tempo todo, a conquistar e continuar sentindo vazio. Por isso, a conquista deve respeitar desejo, sentido, singularidade. Cuide de você, do seu jardim, seja o melhor daquilo que faz sentido ao seu coração, lembrando que tudo que fizer você sentir sensação de bem estar, contribui para sua saúde mental.


“Viver é etecétera”.

Guimarães Rosa

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