CAMINHOS DA MENTE

Você tem noção dos números de adoecimento mental no Brasil?

Sérgio Marçal
Sérgio Marçal
Publicado em 30/10/2024 às 08:06
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Depressão: o que dizem a Organização Mundial da Saúde, OMS, e o Ministério da Saúde
O Brasil é o país com maior prevalência de depressão na América Latina, além de ser o segundo país com maior em número de casos nas Américas, segundo a OMS. O último mapeamento sobre a doença da OMS aponta que 5,8% da população brasileira sofre de depressão, o equivalente a 11,7 milhões de brasileiros. Estudo epidemiológico mais recente do Ministério da Saúde revela que nos próximos anos até 15,5% da população brasileira pode sofrer depressão ao menos uma vez ao longo da vida, ou seja, o número tende a triplicar.

Sintomas
Alguns sintomas devem ser observados como ponto de alerta de desenvolvimento de depressão: humor deprimido, irritabilidade, ansiedade e angústia; desânimo ou cansaço elevado se causas específicas; diminuição ou incapacidade de sentir alegria e prazer em atividades anteriormente consideradas agradáveis; desinteresse, falta de motivação e indiferença; sentimentos de medo, insegurança, desesperança, desamparo e vazio sem motivos claros; ideias frequentes e desproporcionais de culpa, sensação de falta de sentido na vida, sentimento de inutilidade, fracasso e pensamentos de morte; interpretação distorcida e negativa da realidade; dificuldade de manter atenção, concentração, raciocínio mais lento e esquecimento de fatores comuns da rotina; diminuição da libido; perda ou aumento do apetite e do peso; insônia, despertar matinal precoce ou aumento do sono; dores e outros sintomas físicos não justificados por problemas médicos, como dores de barriga, má digestão, azia, diarreia, constipação intestinal, tensão na nuca e nos ombros, dor de cabeça ou no corpo, sensação de corpo pesado ou de pressão no peito, entre outros.

Causas da depressão
A depressão é uma doença de origem multifatorial, ou seja, seu desenvolvimento envolve fatores biológicos (pré-disposição genética, desequilíbrios hormonais, notadamente da tireoide e tumores), psicológicos (estresses prolongados e lutos mal elaborados, por exemplo) e sociais (violência doméstica, vulnerabilidades sociais a exemplo de fome, desemprego, habitação inadequada e de risco) influenciam para que o indivíduo tenha um episódio depressivo que pode colaborar para o desenvolvimento do quadro, se não tratado. Diversos eventos de vida podem ser gatilhos para um episódio depressivo, a exemplo de traumas na infância, perda de pessoas queridas (lutos prolongados), mudanças significativas na rotina (desemprego e saída de entes queridos de casa, por exemplo), uso de substâncias psicoativas (álcool e outras drogas). Pobreza e desemprego são fatores que aumentam as possibilidades de desenvolvimento da doença.

Mulheres são mais vulneráveis
Elas apresentam duas vezes mais chances de terem o diagnóstico da doença do que os homens. Do ponto de vista biológico, os menores níveis de testosterona acabam deixando a mulher mais exposta à doença, o que se soma à sobrecarga de papéis, nos aspectos social e psicológico, uma vez que a mulher corriqueiramente está em uma posição de maior vulnerabilidade que o homem e comumente acumula funções, o que aumenta as chances delas terem mais diagnósticos do que eles.

Depressão na infância: quando a vida dói precocemente
A depressão durante a infância e adolescência muitas vezes se manifesta a partir de sintomas diferentes daqueles apresentados por adultos, por isso, uma mudança brusca de comportamento precisa ser avaliada. A escola pode ajudar muito nessa avaliação da mudança de comportamento infantil e da adolescência.

Uma em cada quatro crianças e adolescentes ouvidos em estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, USP, apresentou ansiedade e depressão durante a pandemia com níveis clínicos, ou seja, com necessidade de intervenção de especialistas. A pandemia foi uma situação de estresse que pode levar ao desenvolvimento ou ao agravamento de transtornos mentais em indivíduos suscetíveis. Os efeitos piores são esperados em crianças mais vulneráveis.

Números entre pequenos e jovens
01 em cada 06 crianças e adolescentes no mundo são afetadas por algum transtorno mental. No Brasil, dos 69 milhões de pessoas com 0 a 19 anos, há registro de 10,3 milhões de casos de transtornos. Como os casos são silenciosos, pode-se afirmar que uma parcela ínfima está sendo acompanhada e têm acesso a serviços, chegando a estes quando há sintomas mais agravados e perceptíveis.

Os índices mais graves, como lesões autoprovocadas e suicídio que demandaram internação entre meninas também aumentaram no Brasil na faixa etária entre 10 e 14 anos. O consumo de conteúdos ligados a padrão de corpo, auto estima é atribuído ao fato, devido a provocar vulnerabilidade.

Mudanças culturais e a tecnologia entre crianças e adolescentes
Estudos sinalizam uma piora na saúde mental infanto-juvenil a partir da segunda década dos anos 2000, ou seja, a partir de 2020. A popularização do smarthphone, maior acesso à informação pela Internet, acesso a redes sociais e jogos online por uma população que ainda não desenvolveu o autocontrole gera vulnerabilidade, tendência a vício ou compulsão, o que se comprova pela proibição de acesso a plataformas virtuais antes dos 14 anos na Flórida, por exemplo. Vários estudiosos já chamam o uso da tecnologia sem controle e a dependência da mesma de “cocaína digital”, já que essa falta de limites e a dependência produzida passa a figurar em manuais de classificação de doenças com CID, Classificação Internacional de Doenças, dada a extensão dos prejuízos gerados no desenvolvimento afetivo, social, escolar.

Depressão e trabalho
A depressão é a principal causa de incapacidade em todo o mundo. Estima-se que mais de 300 milhões de pessoas, de todas as idades, sofram com esse transtorno, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde. A gravidade, frequência e duração variam de acordo com cada pessoa, considerando sua plasticidade ou recursos pessoais de enfrentamento da condição, suas condições psíquicas e acesso a tratamento no tempo devido.

Consequências extremas: o suicídio
A taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% ao ano no Brasil entre os anos de 2011 a 2022. Já as taxas de notificações por autolesões na faixa etária de 10 a 24 aumentaram 29% a cada ano nesse mesmo período. O número foi maior que na população em geral, cuja taxa de suicídio teve crescimento médio de 3,7% ao ano e a de autolesão 21% ao ano, neste mesmo período.

Entre 2000 a 2019, o número de suicídios no Brasil cresceu 43%. Dados alarmantes, não? O que tem sido feito para evitar essa realidade?

Estigma e preconceito
A percepção estigmatizada e moralista do passado sobre transtornos mentais é um problema que precisa ser enfrentado pelo Brasil junto com o aumento de casos da doença. Por cerca de 16 séculos, os transtornos mentais não foram cientificamente estudados, uma vez que as pesquisas ficavam sob controle da igreja, que tratava os fenômenos de saúde mental como manifestações demoníacas. Isso arraigou uma percepção distorcida da condição enquanto doença no entendimento da população, de que transtorno mental é algo errado, algo de quem não tem fé, é fraco ou não consegue se comunicar com o divino. Trata-se de condição de saúde que demanda cuidado, tratamento. Qualquer julgamento só piora a condição. Diante de um doente, a postura deve ser de cuidado. Não perguntamos ao hipertenso, diabético, a quem tem hipotireoidismo o porquê ele está nessa condição, tampouco dizemos a ele que sua condição é falta de Deus, moleza, mas muitas vezes isso é dito ao deprimido. Você já parou para perceber isso? Por que acha que isso ocorre? Te digo: preconceito, cultura distorcida sobre o fato.

Preconceito e estigma agravam o quadro
O ideal é que desde os primeiros sintomas o paciente seja tratado, mas o que acontece muitas vezes é a demora na procura por ajuda especializada após tentativas frustradas de vencer sozinho a dor. O paciente tende a tentar de tudo para evitar ser taxado como doente mental pela sociedade, diante de todos os rótulos que tende a receber.

Produtivismo, cultura do corpo, negação da dor
Em tempos de produtivismo e competição, a noção mais comum de que apenas a saúde física importa e em primeira instância, pois é ela que torna a pessoa funcional, afasta a preocupação com o completo bem-estar. Essa cultura afasta o senso de urgência em absorver para a competência do Estado a assistência à saúde mental e psíquica, devido à cultura centrada apenas no corpo. A saúde mental não está dissociada da saúde!

Lutando contra a Psicofobia
Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria, ABP, lançou uma campanha contra a psicofobia, o preconceito sofrido pelas pessoas que padecem de doenças mentais. O combate ao estigma e a psicofobia são primordiais para salvar vidas e auxiliar a sociedade a compreender e identificar casos. É extremamente importante falar sobre saúde mental, discutir os principais sinais e fatores de alerta para identificar uma doença, assim tratar do assunto sem preconceito e o tabu que já lhe são atribuídos. Essa, todavia, é uma tarefa que compete a outros segmentos da sociedade, principalmente a saúde, educação, assistência social, e sociedade como um todo.

Acesso a tratamento
Levantamento feito pelo Instituto República.org com base em dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, CNES, mostra que existem apenas 19 psicólogos para cada 100 mil habitantes no Sistema Único de Saúde, SUS, do Brasil. Em alguns países da Europa, esse número de profissionais chega a ser superior a 40 para cada 100 mil habitantes, ou seja, mais que o dobro no Brasil.

Barreiras ao tratamento
A rede de atenção à saúde mental no país não é bem estruturada de ponta a ponta. O acesso a psicoterapia pelo SUS, por exemplo, não é acessível. Por outro lado, muitos antidepressivos disponíveis na rede pública não têm lista atualizada há anos, o que cria um abismo na qualidade do tratamento de transtornos mentais entre rede particular e pública. Os investimentos na saúde mental normalmente representam apenas 2% do orçamento da saúde a nível nacional, o que se torna um disparate, considerando o avanço da demanda e seus impactos sociais.

Procure cuidado, sempre!
Mesmo que haja dificuldades de acesso ao cuidado, não deixe de procura-lo sempre que precisar e buscar seus direitos em canais oficiais se encontrar barreiras. Ouvidoria da Saúde, Secretaria, coordenações de serviços, e mesmo o Ministério Público são canais de efetivação de direitos. Não se esquece de que tudo que está vivo precisa de cuidado para assim permanecer, e mais que estar vivo, merecemos florescer, frutificar, viver a vida.

“Quanto mais eu vivo, mais profundamente aprendo que o amor, seja ele chamado de amizade, família ou romance, é o trabalho de espelhar e amplificar a luz um do outro.”

James Baldwuin

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